- Author, Nicola Bryan
- Role, BBC News
Você já se perguntou que desafios pessoas cegas podem enfrentar em sua vida sexual? Ou mesmo como é um encontro com alguém com uma deficiência visual?
Para acabar com mitos e quebrar tabus sobre sexo e pessoas com deficiência a atriz Mared Jarman decidiu contar como tudo isso funciona.
“As pessoas não querem pensar nas pessoas com deficiência como seres sexuais com desejos, vontades e necessidades sexuais”, disse Mared, que tem uma doença ocular degenerativa.
“A verdade é que as pessoas com deficiência são tão sexuais quanto qualquer outra.”
Mared foi diagnosticada com a doença de Stargardt quando tinha 10 anos e perdeu cerca de 80% da visão do olho direito em uma semana, quando tinha 14 anos.
Hoje ela está quase cega do olho direito e enxerga melhor pelo esquerdo, que também está deteriorado.
Cansada de ver personagens com deficiência retratados como assexuados ou fetichizados, ela escreveu a comédia How This Blind Girl (“Como essa garota cega”, em tradução direta), da BBC.
A série mostra Ceri, uma jovem cega de 20 e poucos anos, interpretada por Mared, navegando no já tenso universo dos relacionamentos.
No início deste mês, o trabalho a levou a receber o prêmio BAFTA Cymru Breakthrough.
“Deficiência e sexo são um assunto tabu”, disse Mared.
“É simplesmente ridículo acharem que não temos os mesmos instintos e motivação que qualquer outra pessoa.”
Ela disse que equívocos sobre personagens com deficiência são comuns.
“Quando faço papéis de pessoas que enxergam, uma grande porcentagem tem cenas de nudez. E eles são sexuais, a garota é paqueradora, há cenas de sexo… Mas não consigo me lembrar de um único papel de pessoa com deficiência que eu tenha feito onde haja uma cena de nudez, uma cena de beijo, uma cena de sexo, qualquer coisa”, disse ela.
“[Há uma suposição de que] ‘essa pessoa não vai querer fazer sexo, então não precisamos nos preocupar com isso’ e, de outro lado, há a fetichização completa das pessoas com deficiência, às vezes muito, muito extrema”, ela continua.
“Ambos são grandes problemas porque, ou nos dessexualizam, ou nos sexualizam completamente e nos fetichizam. Simplesmente não há o meio-termo, [que é a] realidade.”
Mared disse que, como pessoa com deficiência, as oportunidades eram “poucas e raras”.
“Como atriz, é raro que papéis com deficiência surjam no meu caminho e, quando isso acontece, eles costumam ser muito específicos sobre o que desejam retratar como pessoa com deficiência”.
Mared – que cresceu no País de Gales com seu pai, o músico Geraint Jarman, e sua mãe, a atriz Nia Caron – decidiu mudar de rumo, começou a escrever e imediatamente achou a experiência catártica.
“Pode ser destruidor para a alma esperar constantemente que outra pessoa valide você, isso pode ter um efeito muito negativo”, ela disse.
“Eu não me filtrei… Quero mostrar, assumidamente, a versão de uma pessoa com deficiência que acho que muitos de nós somos no mundo moderno.”
Desde beijar a pessoa errada até juntar-se por acidente a uma mesa cheia de estranhos em um pub, até que ponto o que acontece com sua personagem Ceri é autobiográfico?
“Não é apenas a minha experiência… é claro que é dramatizada, mas é a realidade de ser uma pessoa jovem e com deficiência tentando navegar numa vida normal”, disse ela.
Não, ela nunca beijou a pessoa errada, mas já se sentou na mesa alheia durante um encontro.
“Foi hilário, foi humilhante, mas é muito melhor dizer ‘OK, vou lembrar disso, vou usar e vou vencer no final'”, disse ela.
Assim como sua personagem Ceri, os instintos de Mared foram de tentar esconder sua deficiência no passado.
“Isso dominou minhas experiências com as pessoas”, disse ela.
Para muitas pessoas com deficiência, o “mascaramento” pode se tornar uma parte importante da vida, disse Mared.
“Não apenas no namoro, mas na sobrevivência do dia-a-dia. Passar por ‘capaz’ é grande parte da minha experiência porque eu moro em uma cidade e crimes de ódio por deficiência são muito mais comuns do que pensamos.”
A recente vitória de Mared no Bafta Cymru foi um grande momento, não apenas para sua carreira, mas também no que se refere à sua jornada de aceitação sobre sua deficiência.
“Para cada garotinha cega, menino cego, pessoa com deficiência que foi informada de que não pode fazer nada e não pode ter qualidade de vida, isso é para nós, porque isso é errado”, disse ela ao receber o prêmio.
“Cheguei a um momento na minha vida que nunca, jamais, jamais pensei que seria possível por causa da forma como a sociedade e outras pessoas me fizeram sentir e que, infelizmente, comecei a acreditar também. “
Reivindicar sua identidade como pessoa com deficiência foi e ainda é uma jornada contínua, segundo ela.
“Eu costumava achar muito difícil simplesmente pronunciar as palavras ‘sou cega’ para outra pessoa – ainda é um desafio diário, mas não acho mais tão difícil”, disse ela.
“Você não recebe apenas um selinho [que diz] ‘Agora desativei o orgulho para o resto da minha vida’ – é uma jornada, é um processo, que vem e vai.”
Ela descreveu os “dois lados” de sua deficiência.
“Ser cega faz parte de quem eu sou e sim, é exaustivo, sim, é cansativo e assustador, mas também é maravilhoso. Isso me ensinou coisas sobre as pessoas e sobre o mundo e me deu oportunidades que de outra forma não teria.”