• Pablo Uchoa
  • Enviado especial da BBC Brasil a Edimburgo

Crédito, Reuters

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“Sim” baseia campanha em visão otimista do novo país, mas de onde virá o dinheiro?

A aspiração a alcançar um status de desenvolvimento humano comparável ao dos países nórdicos – os mais altos do planeta – move a campanha do “sim” no plebiscito que decidirá sobre uma eventual independência da Escócia.

Mas, faltando poucas horas para a votação histórica, na quinta-feira, muitos escoceses continuam céticos quanto à capacidade do país de, sozinho, gerar caixa suficiente para almejar tais ambições.

Duas pesquisas divulgadas nesta quarta-feira, a um dia do plebiscito, mostraram o sim e o não empatados tecnicamente, com uma leve vantagem para os que defendem a permanência da Escócia no Reino Unido (quatro pontos na pesquisa do instituto ICM publicada no jornal The Scotsman e dois pontos na do Ipsos-MORI para a rede STV).

Porém, com um contingente estimado entre 5% e 14% de eleitores indecisos, nenhum analista arrisca um palpite sobre o resultado que sairá das urnas.

Com muitas variáveis cruciais ainda pendentes, a serem negociadas em um eventual “divórcio” britânico, parte do eleitorado está tendo dificuldades em decidir se acredita nas promessas do sim ou nas advertências do não.

País rico

Se a Escócia se retirasse hoje da união, o país ocuparia uma posição melhor que a do país ao sul nos rankings de renda per capita e desenvolvimento humano, segundo as estimativas disponíveis.

Cálculos do governo escocês utilizando estimativas da OCDE (organização que reúne os países ricos e alguns emergentes) sugerem que a Escócia independente ocuparia o 14º lugar entre os países desenvolvidos no quesito renda per capita.

Com um PIB per capita de U$ 39,6 mil (valores de 2012), ficaria entre a Bélgica e a Finlândia e ficaria acima do Reino Unido, que com uma renda de US$ 35,7 mil ficaria em 18º lugar.

Resultado semelhante seria alcançado em termos de desenvolvimento humano, segundo um relatório do braço de pesquisa do banco Credit Suisse que inclui no cálculo entidades separatistas como a Escócia, Québec, Catalunha e Flandres.

No cenário, a Escócia ficaria em 26º lugar no ranking de IDH – acima do Reino Unido tal como é hoje (32ª posição) e do país que restaria após a independência do norte da ilha (34ª posição).

Em ambos os casos, os analistas aplicaram a proporção dos rendimentos do petróleo do mar do Norte que caberia à Escócia independente.

Essa divisão territorial rende ao país cerca de 90% dos rendimentos dessa produção.

Futuro incerto

“O que você acha de viver em uma das nações mais ricas do mundo?”, dizia um dos cartazes da campanha pela independência que foram usados nos últimos meses.

Em um parque de Edimburgo, faixas colocadas amarradas às árvores simulam uma cédula eleitoral em que a opção “esperança” está marcada e a alternativa “medo” está em branco.

Para os escoceses indecisos, entretanto, essa é uma escolha nada óbvia.

Em resposta ao instituto ICM, escoceses de ambos os lados indicaram que consideram a independência um risco; o que mais divide o eleitorado do sim e do não é estar ou não disposto a corrê-lo.

Uma leve maioria dos entrevistados acham que a economia vai ficar pior se a independência passar (45%, contra 38% que acreditam que melhorará).

Por outro lado, 37% acreditam que no longo prazo o país ficaria menos desigual (ante 20% que acreditam que a desigualdade aumentaria e 27% que opinaram que nada mudaria).

Bem-estar social

Como parte do Reino Unido, a Escócia já possui um sistema generoso de benefícios e goza de saúde universal e gratuita de qualidade. Mas muitos acreditam que o futuro do seu Estado de bem-estar social estaria ameaçado se o país permanecer na união.

Em uma pesquisa do instituto YouGov do fim de agosto, 42% dos entrevistados acreditam que a saúde pública ficaria pior com a Escócia fazendo parte do Reino Unido. Apenas 9% opinaram que o sistema melhoraria.

Em contraste com a Inglaterra, onde o valor cobrado pelas universidades vem subindo desde o governo de Tony Blair – e se acentuou dramaticamente sob a coalizão conservadora-liberal democrata –, o ensino superior na Escócia permanece gratuito.

“Se você olhar de uma perspectiva mais ampla, os Estados de bem estar social britânico e nórdicos não são muito diferentes”, disse à BBC Brasil o analista de Europa do instituto IHS, o norueguês Adrian Rogstad, que conduz estudos de risco político nos países.

“Parte do que está impulsionando a campanha pelo sim é que o Partido Nacional Escocês (SNP) quer manter esse estilo nórdico de Estado.”

Sob o atual sistema de devolução de poderes, iniciado no fim dos anos 1997, o Parlamento escocês tem poderes para legislar e adaptar o sistema escocês em diversas áreas, incluindo saúde, educação e impostos adicionais.

Mas os nacionalistas do SNP argumentam que só a independência criaria condições para o país investir 100% em duas prioridades, permitindo-lhes deixar de lado aspectos considerados importantes para Londres, como a capacidade de defesa nuclear.

“Mas claro, como em todas as outras questões, o problema é dinheiro”, ressalva Rogstad. “Eles vão ter os recursos suficientes para isso?”

É aqui que as incertezas balançam eleitores que em princípio são favoráveis a uma maior autonomia da Escócia na aplicação dos seus recursos.

Em um cenário de independência, o petróleo (considerando 90% dos rendimentos provenientes do mar do Norte) responderia por 1/6 da economia escocesa.

Mas os analistas já vêm alertando que a produção nesta antiga faixa de extração está em decréscimo – quantas décadas de petróleo a Escócia ainda teria pela frente é tema de debate.

O líder do governo escocês, Alex Salmond, disse que o país criará um fundo de contingência parecido com o da Noruega. Mas os críticos dizem que a iniciativa escocesa começaria tarde demais.

Acredita-se que o novo país de 5 milhões de habitantes teria de realizar investimentos na indústria e esse gasto se somaria ao de criar uma rede diplomática e de promoção comercial que hoje também é amparada pelos contribuintes de um país de 64 milhões de pessoas.

As dificuldades aumentariam se houvesse uma migração de empresas hoje sediadas na Escócia para o país ao sul da fronteira, por puras questões de segurança jurídica e econômica. O governo escocês perderia esta arrecadação fiscal e ficaria ainda mais dependente da commodity.

Enquanto o país negociasse sua entrada na União Europeia (em cujo caso talvez tivesse de adotar o euro) ou uma união monetária com o país ao sul para usar a libra esterlina (proposta que não interessa Londres), a economia escocesa continuaria vulnerável a volatilidades de capital, com poucos instrumentos monetários para reagir.

Em quem acreditar?

Essas dúvidas influenciam a decisão de eleitores como o brasileiro de cidadania italiana Túlio Filogonio, morador de Edimburgo há uma década e meia e eleitor do não.

“Alex Salmond repete que uma Escócia independente seria melhor, mas como?”, disse ele à BBC Brasil. “É muita incerteza.”

Para tirar energia da campanha separatista, os líderes dos três principais partidos britânicos se comprometeram a introduzir legislação dando maior autonomia à Escócia – algo que os analistas esperam caso a Escócia permaneça na união.

Mas a iniciativa foi recebida com desconfiança pelos partidários do sim.

Foi uma mudança de postura na campanha pela manutenção da união, que apesar de se intitular Better Together (Melhor Juntos), até agora procurou mais frequentemente ressaltar que as duas principais nações que conformam o Reino Unido estariam em pior situação separadas.

“A campanha do não está tendo dificuldades em encontrar uma mensagem positiva”, avaliou Adrian Rogstad, do IHS. “Sente falta de uma mensagem clara além do argumento de que a independência é arriscada.”

“Isso não necessariamente ecoa junto aos eleitores; pelo contrário, quando você tem políticos ingleses dizendo aos escoceses o que eles não podem ter ou fazer, muita gente fica irritada.”