- Claudia Jardim
- De Caracas para a BBC Brasil
Era 5h da manhã quando Pedro Medina voltava da balada com amigos para casa e se deparou com uma barricada na via de acesso ao bairro de classe média alta de El Cafetal, no leste de Caracas.
Opositor ao governo de Nicolás Maduro, Medina tentou convencer outros três jovens opositores para que o deixassem passar e chegar logo em casa. Encapuzados, atrás de uma barricada feita de pedras e lixo, eles recusaram.
“Cara, você acha que queremos estar aqui numa hora dessas? Mas essas são as ordens”, teria dito um dos jovens a Medina.
“Entendi então que eles são pagos para fazer isso. Comecei a questionar quem os mandava fazer aquilo, que isso limitava a liberdade dos cidadãos”, relatou Medina à BBC Brasil.
A tensão subiu ente os jovens. Eles ainda compartilham o mesmo sentimento contra o chavismo, querem uma alternativa ao presidente Nicolás Maduro, mas estão divididos em relação às táticas de protesto, refletindo a divisão da oposição na Venezuela.
Uma pesquisa do instituto Datanálisis mostrou que sete entre dez opositores ao governo rejeitam as barricadas. No total, 87% dos venezuelanos (chavistas e setores independentes incluídos) discordam desse tipo de manifestação violenta.
Por outro lado, manifestações pacíficas contra o governo são legitimadas por 72% da população. “Os números mostram que não há uma rejeição aos protestos, e sim à violência, às barricadas”, afirmou à BBC Brasil o diretor do Datanalisis, Luis Vicente León.
Medina contou que naquela madrugada teve o carro apedrejado pelos “guarimbeiros”, como são chamados na Venezuela os que armam barricadas. Após pedir ajuda à polícia, que teria ignorado seu pedido, Medina retornou à “guarimba” e dessa vez foi agredido por um dos jovens que mantinha o rosto coberto.
“Não estou de acordo com um golpe de Estado. Não posso apoiar o que critico (…), não apoio esse tipo de manifestação, essa não é a minha guerra”, afirmou.
‘Terra arrasada’
Concentradas em áreas de classe média e média alta, as barricadas transformaram os confortáveis, seguros e limpos bairros opositores em um território arrasado e sujo, com a infraestrutura danificada. O protesto afetou em cheio o cotidiano dos moradores, a maioria opositores ao governo. Transito interrompido, congestionamentos e aulas suspensas se tornaram constantes.
“Não podemos permitir que nossos filhos percam o ano na escola por causa dessa loucura”, se queixava uma mãe durante uma assembleia de vizinhos em Los Palos Grandes, outro bairro afetado pelos enfrentamentos entre opositores e policiais. No dia seguinte, uma nova reunião tratou das consequências para o organismo da inalação constante de gás lacrimogêneo.
Microempresário de marketing para redes sociais, Pedro Medina relatou a agressão que sofreu na rede social Facebook. A partir dai, seu testemunho se espalhou pela rede, compartilhado pelos dois lados.
Para os chavistas, o caso de Medina mostra a intolerância dos adversários. No lado opositor, a fotografia do jovem machucado chegou a ser utilizada como suposta “prova” da truculência policial durante um enfrentamento em seu bairro. “Quando vi isso, neguei. Não fui agredido pela polícia. Era mentira”, conta. A partir deste episódio passaram a qualificá-lo como traidor.
O jovem, de 26 anos, conta que quando a onda de manifestações tomou Caracas, há quase dois meses, ele se uniu aos jovens que diariamente bloqueavam a principal rodovia do país, nas imediações do bairro de Altamira, bastião opositor.
“Fui um dos primeiros a apoiar para mostrar que o povo está cansado”, relata. O jovem empresário abandonou as manifestações quando a violência passou a prevalecer em detrimento da reivindicação. “Não estou de acordo com a violência (…) quero pensar que este governo vai cair por seu próprio peso”, afirmou.
A divisão vista nas ruas sobre como pressionar o governo para solucionar a crise é espelho do racha interno enfrentado pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), coalizão que reúne os partidos políticos de oposição.
Nesta quinta-feira, o governo e a MUD devem instalar uma mesa de diálogo numa tentativa de dar fim à pior crise enfrentada pelo chavismo desde o golpe de Estado e o locaute empresarial que colocou a prova o governo do ex-presidente Hugo Chávez, em 2002 e 2003.
“Nem nós os converteremos ao socialismo, nem eles nos converterão em capitalistas e opositores”, afirmou o presidente Nicolás Maduro em seu programa semanal de rádio.
As dificuldades para que ambos grupos cheguem a um ponto em comum também fora antecipada por Ramón Aveledo, secretário-executivo da MUD, que advertiu que o que virá é um “difícil caminho”.
“O melhor antídoto para a violência é o respeito à Constituição de parte de todos”, disse Aveledo a jornalistas, logo após acordar a instalação da mesa de diálogo com o governo, na terça-feira. A negociação será acompanhada pelos chanceleres da Unasul e por um representante do Vaticano.
Radicalização
A tentativa de dirimir a crise, no entanto, não é aceita pela ala radical da oposição, grupo que convocou os protestos que buscam levar Maduro à renúncia.
“Nossa organização não validará nenhum diálogo com o regime enquanto continue existindo repressão, prisão e perseguição contra nosso povo”, diz um comunicado do partido Voluntad Popular, liderado por Leopoldo López, dirigente político preso, responsabilizado pelo Ministério Público pela onda de violência.
Passados quase dois meses de manifestações em Caracas e nos estados fronteiriços com a Colômbia, o número oficial de mortos é de 39 pessoas – entre opositores, chavistas e efetivos militares -, além de centenas de feridos.
A posição dos radicais opositores liderados por Leopoldo López é compartilhada pelo engenheiro Germán Castillo e por pouco mais de 10% da população.
Desde que começaram os protestos na praça Altamira, em Caracas, a rotina de Germán inclui agora ajudar jovens feridos no embate com a polícia. A seu ver, o único caminho para solucionar os problemas políticos e econômicos do país é a saída de Maduro da Presidência.
Eleito em abril do ano passado, logo após a morte de Chávez, Maduro venceu uma diferença de 1,5% sobre o líder opositor Henrique Capriles. A estreita diferença é parte do combustível utilizado pela ala radical da oposição para questionar sua legitimidade.
Para Castillo, o momento é de ofensiva: “Temos que apoiar os protestos. O país não aguenta até as eleições”.
Visão diferente da de Medina, que espera ganhar para o movimento opositor o apoio das classes populares (geralmente simpáticas ao chavismo).
“Nessas manifestações sempre nos olham como os filhinhos de papai. Mas de repente, pode ser que esse panorama mude e que seja o próprio povo (chavista) que comece a se rebelar”, afirmou.