• Pablo Uchoa
  • Enviado especial da BBC Brasil a Edimburgo

Crédito, Reuters

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Escócia vota nesta quinta pelo sim ou não à independência do Reino Unido

Diferente de outras diásporas, os brasileiros na Escócia não são homogêneos nem vêm de um mesmo grupo social.

Estudantes de pós-graduação, de línguas, profissionais do ramo do petróleo ou simplesmente cônjuges de escoceses, eles se misturam à população local e defendem o sim ou o não à independência escocesa do Reino Unido de acordo com as circunstâncias pessoais – o plebiscito da Escócia será votado nesta quinta-feira.

A BBC Brasil conversou com dois deles para ouvir duas visões opostas sobre os temas que preocupam os compatriotas na votação histórica desta quinta-feira.

Túlio Filogonio, mineiro que vive na Escócia desde 2000 graças à cidadania italiana, diz que opta pelo não porque considera a Escócia uma sociedade “onde as coisas funcionam”. O educador não está convencido das razões da mudança e não quer que seus filhos gêmeos vivam “uma geração de negociação”.

Já a microempresária Goretti Correa, casada com um escocês, abraça o nacionalismo por considerar que uma Escócia totalmente autônoma poderia direcionar melhor seus recursos para solucionar seus próprios problemas.

“Depois de passar muito tempo aqui você consegue ter a percepção de que as coisas não funcionam tão bem quanto a gente pensa”, diz a brasileira, moradora de Edimburgo há 20 anos.

Leia a seguir os depoimentos.

Túlio Filogonio

Túlio Filogonio, que vive na Escócia desde o ano 2000, é uma espécie de liderança informal da comunidade brasileira na Escócia.

O mineiro de Belo Horizonte fundou associações de brasileiros como a Brasil-Caledônia e descreve a história de brasileiros que vivem no país enquanto caminha junto com a reportagem da BBC Brasil pelas ruas do centro de Edimburgo.

Formado em administração de empresas no Brasil, Túlio trabalhou de carteiro e garçom quando chegou na Escócia. Certa vez, durante um evento, teve a surpresa de servir ninguém menos que o primeiro-ministro Tony Blair, que falava para um grupo de empresários.

Depois de fazer um curso de dois anos e se formar como educador, Túlio trabalha hoje em escolas do ensino fundamental. Ele é partidário do não e já enviou o seu voto antecipadamente pelo correio.

“Quando olho para a Escócia, eu vejo uma sociedade onde existe o respeito, a oportunidade, a ausência do preconceito”, diz.

“O sistema funciona, existem ajudas do governo, a saúde é boa, a educação é pública e gratuita”, lista. “Você tem todo o básico. Eu vou mexer nisso por quê?”

“Se o sim ganhar, a geração dos meus filhos vai ser uma geração de negociação (com o resto do Reino Unido sobre os termos da separação). Eu não quero isso para eles.”

Túlio diz que pessoalmente se preocupa em uma eventual separação da Escócia. Casado com uma brasileira e com um casal de gêmeos, ele tem status de cidadão italiano e tem dúvidas sobre o que poderia acontecer na relação da nova nação com a União Europeia.

Teme especialmente que países como a Espanha dificultem a entrada da Escócia no bloco, colocando a situação dele e de outros brasileiros na mesma situação em um limbo.

O brasileiro acredita que a campanha do sim até agora não foi capaz de mostrar como poderia fazer jus às suas próprias promessas e elevar a sociedade escocesa a um padrão de vida mais alto.

“Alex Salmond (líder do governo escocês e do movimento separatista) repete que uma Escócia independente seria melhor, mas como?”, questiona. “É muita incerteza.”

A microempresária Goretti Correa mora em Edimburgo há 20 anos. Originária de Manaus, ela veio para a Escócia para estudar – aqui ela concluiu o doutorado em Políticas Públicas, conheceu o marido e ficou no país.

Após uma mudança de carreira que a transformou em proprietária de uma loja online, continua vivendo na capital escocesa com a família, que agora inclui o filho de seis anos de idade.

Apesar do tempo de residência, Goretti diz que nunca se interessou em tirar o passaporte britânico – por nacionalismo. Ela não vota nas eleições, mas, se votasse, optaria pela independência, assim como o marido.

Ambos acreditam que a autonomia permitiria à Escócia investir melhor os seus recursos para resolver os seus problemas.

“Muita gente (que chega do Brasil) não consegue ter senso crítico em relação à realidade da Escócia”, diz ela à BBC Brasil.

“Muita gente ainda tem essa ilusão de que na Europa não tem problemas. Mas depois de passar muito tempo aqui você consegue ter a percepção de que as coisas não funcionam tão bem quanto a gente pensa.”

Goretti diz que a Escócia “tem problemas sociais parecidos com os do Brasil, só não é escancarado” – ela se refere a pobreza, desigualdade e corrupção.

Para a brasileira, no atual desenho institucional, a Escócia está “muito distante” do centro do poder, em Londres, e não se beneficia inteiramente dos recursos com que contribui para o reino.

“A Escócia tem muita riqueza, muito petróleo, mas nem tudo fica aqui. Tudo entra num orçamento geral e só depois é redistribuído.”

“Trazendo o poder para cá o país vai poder tomar as decisões e formular as políticas que podem favorecer mais o país.”

Apesar das convicções, Goretti acredita que muitos brasileiros, por conservadorismo ou por circunstâncias pessoais, preferem se manter avessos à mudanças. Um fator seriam as preocupações com uma possível mudança de política migratória.

Por outro lado, a empresária minimiza as análises segundo as quais a Escócia sem o Reino Unido seria prejudicada por uma excessiva incerteza econômica.

“Será que as pessoas não estão falando isso só para assustar e daí convencer os eleitores a votar não?”, questiona.