O filho de uma israelense de 75 anos sequestrada pelo grupo palestino Hamas relembrou, em entrevista à BBC, como sua mãe sempre se dedicou a lutar pela coexistência pacífica entre judeus e palestinos, chegando inclusive a aprender árabe.
Noam Sagi também pediu maior diálogo entre os dois povos para encerrar o sangrento conflito.
“Quando as vozes do amor são silenciadas, as vozes do ódio ficam mais altas”, disse ele ao programa de rádio Today da BBC Radio 4.
“As chaves que temos não estão abrindo novas portas. Precisamos encontrar novas chaves”, acrescentou Noam, que vive em Londres e trabalha como psicoterapeuta.
Sua mãe, Ada Sagi, nasceu em Tel Aviv e os pais dela são sobreviventes do Holocausto, como ficou conhecido o assassinato em massa de milhões de judeus e outras minorias durante a 2ª Guerra Mundial, a partir de um programa de extermínio sistemático executado pelos nazistas.
Ada passava por um momento difícil em sua vida — seu marido morreu de câncer no ano passado, ela lutava contra alergias e se recuperava de uma cirurgia de quadril.
Mas, segundo Noam, estava aos poucos superando todas essas dificuldades e se preparava para uma viagem a Londres.
Ele contou que sua mãe é professora aposentada de hebraico e árabe e “sempre fez campanha pela paz”.
Segundo Noam, Ada aprendeu árabe para poder fazer amizade com os vizinhos e construir um futuro melhor para os filhos.
Mais tarde, ela ensinou a língua a outros israelenses como forma de melhorar a comunicação com os palestinos que vivem perto do kibutz Nir Oz, na fronteira sudeste da Faixa de Gaza.
Ali ocorreu um massacre no dia 7 de outubro, perpetrado por integrantes do Hamas.
Cerca de 400 pessoas viviam em Nir Oz, muitas delas empregadas no cultivo de aspargos e outras culturas, ou na fábrica local de tintas e selantes.
Rodeado pelo deserto de Negev, o kibutz continua a ser um oásis de vegetação, com um jardim botânico que abriga mais de 900 espécies de flores, árvores e plantas.
Mas agora Nir Oz virou um vilarejo fantasma — muitas casas foram queimadas nos ataques.
As autoridades israelenses ainda estão tentando identificar os corpos.
Sobreviventes estimam que cerca de 100 pessoas foram executadas, das quais 20 já foram confirmadas como mortas e dezenas de outras, como Ada, feitas reféns pelo Hamas e levadas para Gaza.
“Talvez eu seja um fantasista, mas a minha esperança é que eles percebam que, na verdade, raptaram ativistas pela paz”, disse Noam.
“Tudo em sua fibra é sobre paz, é sobre amor, é sobre bondade”, acrescentou ele, referindo-se à sua mãe.
Segundo Noam, desde que sua mãe foi raptada, tem sido “difícil e angustiante” lidar com a falta de informações sobre o paradeiro dela, mas “não quero pensar muito sobre o que não sei”, disse ele.
“Sou otimista. Prefiro pensar que ela está fazendo algo que nenhum político consegue fazer. Talvez esteja fantasiando. Mas ela fala árabe fluentemente e sempre trabalhou pela paz. Não quero me deixar levar por pensamentos negativos”.
“Minha mãe acreditava que a língua é a ponte para um futuro melhor, melhores relações”, acrescentou.
Noam contou que seus pais se mudaram para o kibutz de Nir-oz quando sua mãe tinha 18 anos. Não por motivos religiosos, mas porque ela foi atraída pelos ideais de igualdade e humanidade sobre os quais os assentamentos comunitários de inspiração socialista foram construídos.
“O kibutz sempre foi um farol de comunicação, coexistência, boa vizinhança quando cresci ali nos anos 70. Lembro-me de que ia à praia em Gaza, tínhamos uma ótima relação com os palestinos. Eles vinham e ficavam em minha casa. Alguns trabalhavam no kibutz. Mas, desde que o Hamas tomou o poder, a vida ficou muito difícil, especialmente em relação à segurança, por causa do lançamento de foguetes”, disse.
O Hamas governa a Faixa de Gaza desde 2007, quando tomou o poder da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que atualmente controla a Cisjordânia, após ganhar as eleições parlamentares no ano anterior. Não houve eleições desde então.
Israel, por sua vez, havia desocupado Gaza em 2005, mas mantém controle até hoje sobre as fronteiras do território.
Noam também falou sobre a dificuldade de os dois lados envolvidos no conflito deixarem de lado radicalismos e encontrarem um denominador comum.
“A comunidade judaica está com medo. E quanto mais as pessoas sentem medo, mais elas se fecham, menos compreensivas elas se tornam. Eu diria a essas pessoas que não escondam suas identidades, que sejam orgulhosas de quem são”, disse.
“Por outro lado, quando vejo os vídeos do kibutz, e o horror que aconteceu ali, uma coisa me dá esperança. Vejo que as pessoas ali acreditam num futuro melhor”, completou.
Noam também criticou a redução da representatividade política dos kibutzim (plural de kibutz), o que, segundo ele, não tem contribuído para construir uma solução pacífica para o conflito.
“Temos que dar as vozes do amor mais eco e mais espaço”, concluiu.
Reféns libertadas
Ada Sagi era vizinha de Yocheved Lifschitz, de 85 anos, e Nurit Cooper, de 79 anos, que foram libertadas pelo Hamas na noite desta segunda-feira (23/10).
Ela sofreu hematomas durante a jornada rumo a Gaza e descreveu uma “enorme rede” de túneis subterrâneos administrados pelo Hamas, que ela compara a uma “teia de aranha”.
Também afirmou que os reféns dormiam em colchões no chão nos túneis sob Gaza, com um médico vindo visitá-los a cada dois ou três dias.
E acrescentou que um paramédico veio vê-los para trazer os medicamentos de que precisavam.
Segundo Lifschitz, os combatentes do Hamas lhe disseram que não iriam machucá-la porque “acreditam no Alcorão (livro sagrado para os muçulmanos).”
O Hamas disse que libertou as mulheres por razões “humanitárias” e de saúde.
Israel agradeceu ao Egito pela sua ajuda na mediação da sua libertação e à Cruz Vermelha pelo “papel importante” que desempenhou no regresso das duas reféns.
O marido de Cooper, Amiram, de 85 anos, e o marido de Lifschitz, Oded, de 83, ainda estão detidos pelo Hamas em Gaza, segundo autoridades israelenses.