- Lorena Arroyo
- Da BBC Mundo
Aos 10 anos, o boliviano Yaguar Mamani Paredes já sabe como negociar seus direitos com o governo.
Paredes, que trabalha desde os seis vendendo sucos em um mercado de rua do bairro operário de Villa Fátima, na capital da Bolívia, La Paz, vem participando de várias reuniões com parlamentares do país para convencê-los sobre a necessidade da legalização do trabalho infantil.
O menino integra a União das Crianças e Adolescentes Trabalhadores da Bolívia (Unatsbo, na sigla em espanhol), um sindicato que neste mês conseguiu que a Assembleia Nacional aprovasse uma reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente do país para reduzir a idade mínima de trabalho para dez anos em casos excepcionais.
Paredes trabalha diariamente das 16h às 21h. Ele sai da escola e vai ajudar sua mãe a vender sucos.
O menino diz que gosta de trabalhar. “Vendendo”, diz, pois “aprende a somar e multiplicar” e com o dinheiro que ganha, sua mãe pode comprar para ele “material escolar”.
Paredes só tem uma crítica à extenuante rotina. “Durmo muito tarde por causa do trabalho”, lamenta.
O caso de Paredes está longe de ser único na Bolívia, onde, segundo as estimativas oficiais, mais de 800 mil crianças e adolescentes trabalham, ainda que, segundo a Unatsbo, esse número possa superar facilmente 1 milhão.
Nas cidades bolivianas, é comum ver crianças carregando bolsas nos supermercados, lustrando sapatos, vendendo mercadorias nas ruas, gritando os nomes das paradas dos ônibus e oferecendo-se para limpar os vidros dos carros nos semáforos.
Mas há outro lado do trabalho infantil menos visível ─ e perigoso para as crianças. Centenas delas trabalham como mineiros, pedreiros ou agricultores, cortando cana-de-açúcar ou quebrando castanhas.
Cientes dessa realidade, em 2000, as crianças trabalhadoras fundaram a Unatsbo para pedir que seus direitos fossem respeitados, embora só tenham ganhado maior relevância a nível nacional nos últimos meses.
O ponto de inflexão na trajetória desses meninos e meninas ocorreu em dezembro do ano passado. Eles saíram em passeata no centro da cidade, mas as imagens de repressão policial contra os manifestantes, que costumam ocorrer com frequência na Bolívia, dessa vez tiveram maior impacto por envolver menores de idade.
“Só estávamos defendendo os nossos direitos como crianças e adolescentes trabalhadores. Apesar de a reação desmedida da polícia, nossa voz foi finalmente ouvida”, diz o delegado nacional da Unatsbo, Rodrigo Medrano, de 15 anos.
Medrano, que desde que tinha sete anos se dedica a vender chicletes e vitaminas, reconhece que a mobilização serviu para que o grupo ganhasse maior visibilidade. Tanto que, pouco tempo depois, foram recebidos pelo presidente boliviano Evo Morales que já declarou ter trabalhado quando criança. Morales diz ter sido pastor de ovelhas, vendido sorvetes e ajudado seu pai em tarefas agrícolas.
“O presidente defendeu a nossa luta porque quando jovem também era uma criança trabalhadora. Depois disso, houve maior interesse de senadores e deputados para que nos escutassem”, lembra Medrano.
Desde então, as reuniões da Unatsbo acontecem a cada 15 dias e de forma virtual. Membros de nove departamentos (Estados) da Bolívia – menores de 18 anos – participam dos encontros online, durante os quais analisam a estratégia para negociar com legisladores a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente do país.
Foram dezenas de encontros com deputados e senadores da Assembleia Nacional e com a comissão que tratava da lei.
Para Medrano, no entanto, o maior obstáculo das conversas eram os convênios internacionais que a Bolívia firmou, como um acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que proíbe que os menores de 14 anos trabalhem.
“São convênios firmados na ONU ou na OIT mas acredito que esses acordos sejam assinados sem ter passado muito tempo aqui na Bolívia e deveriam ser atualizados”, defende.
Medrano diz estar orgulhoso com o êxito do sindicato e afirma que continuará lutando para que nenhum menor de idade seja explorado. Ele também propõe, em sintonia com o discurso do governo, atacar a origem do problema.
“Por que a criança ou o adolescente trabalha? Por causa da pobreza extrema, porque mora nas ruas. Por que esse problema não é solucionado, em vez de impedir o trabalho infantil?”, diz Medrano.
Apesar de a pouca idade, o adolescente já fala como um líder sindical. Quando questionado sobre o que gostaria de fazer quando crescesse, a resposta foi direta.
“Meu sonho é continuar nessa luta. Espero que o movimento cresça e que daqui a algum tempo a sociedade se dê conta de que não somos seres de outro planeta e que nossos direitos sejam respeitados. Quero continuar a dedicar minha vida à luta social”, conclui.