• Sarah Rainsford
  • Da BBC News em Havana

Crédito, AP

Legenda da foto,

Zona de desenvolvimento de Mariel é uma das vitrines para atrair investidores

“Socialismo ou morte”, diz o cartaz na entrada de uma metalúrgica em Havana, com a foto de Fidel Castro. As palavras são um lembrete de que Cuba continua sendo um lugar muito peculiar para os negócios.

Mas tudo indica que um ambiente mais pragmático está se firmando.

Neste fim de semana, o presidente Raúl Castro – responsável por um programa de reformas tão amplo quanto lento – convocou uma sessão extraordinária do Parlamento para discutir meios de atrair mais investimentos externos à ilha.

Os parlamentares aprovaram uma nova lei com a qual o país espera atrair mais de US$ 2 bilhões por ano em investimentos e elevar o crescimento econômico a 5 a 7%.

O ministro de Comércio, Rodrigo Malmierca, disse aos parlamentares que a lei de investimento estrangeiro tinha como objetivo ajudar Cuba acessar novidades tecnológicas, métodos de gerenciamento e mercados de exportação – além de gerar empregos.

“Ela não apenas ajudará a atrair capital estrangeiro, com regras claras e incentivos, como também nos ajudará a usar esse potencial para desenvolver o país, enquanto preservamos nossa independência e soberania”, discursou.

Efeito Venezuela

A instabilidade política e os problemas econômicos da Venezuela deram mais urgência a essa medida, já que Havana é forçada a contemplar a possibilidade de perder um aliado vital e uma fonte de financiamento.

Foi a perda de seu benfeitor prévio – a União Soviética – que já havia forçado Fidel a abrir a economia cubana ao exterior. A partir dos anos 1990, o país começou a receber dinheiro de turismo e por suas minas de níquel.

Mas conseguir levar um empreendimento adiante sempre foi muito lento; alguns projetos eram adiados sem motivos aparentes que não ideológicos e burocráticos.

“A nova lei parece muito promissora como um incentivo ao investimento estrangeiro”, diz o empresário britânico Andrew McDonald, sugerindo que incertezas começam a ser superadas.

A empresa de McDonald, Havana Energy, é uma joint-venture que está construindo uma usina de biomassa em um engenho de açúcar.

“Acho que isso dará um sinal significativo à comunidade internacional de que Cuba está pronta para os negócios”, ele agrega, argumentando que há um forte interesse pelo mercado cubano.

Velhos hábitos

Mas, em um indicativo de como é difícil se livrar de velhos hábitos, a imprensa estrangeira não teve acesso ao texto da nova lei ou ao debate ocorrido no Parlamento, no sábado.

Os detalhes divulgados aos jornalistas mostram que haverá uma isenção de oito anos em impostos sobre lucros, que serão de 15% – metade da taxa atual. Outras vantagens tributárias e garantias legais também devem impedir que empreendimentos sejam expropriados pelo Estado – uma preocupação de empresários ante as nacionalizações em massa ocorridas após a revolução de 1959.

Ao mesmo tempo, outros obstáculos permanecem. A Cuba ainda é tratada como “Estado patrocinador de terrorismo” pelos Estados Unidos, o que dificulta transações com a ilha e iniciativas para levantar capital.

Além disso, restrições impostas pelo embargo comercial americano impedem que empresas com interesses nos Estados Unidos façam negócios em Cuba – e eliminam um grande mercado de exportação aos cubanos.

E há, também, o passado.

“Cubanos têm de superar um histórico de quase 20 anos de tratamento oscilante a investidores”, opina o ex-embaixador britânico em Havana, Paul Hare.

Desde 2002, ele diz que o número de joint ventures na ilha caiu a quase a metade; e destaca a prisão, sob circunstâncias pouco esclarecidas, de vários empresários estrangeiros no país como algo que assusta investidores.

“O regime pode querer mudanças, mas as cicatrizes são difíceis de se apagar”, diz Hare.

A primeira tentativa de despertar a atenção estrangeira foi a inauguração da zona de desenvolvimento especial de Mariel, cujo porto foi revitalizado com investimento brasileiro.

“Talvez o preconceito político contra investimentos externos tenha sido muito forte no passado, mas acho que (as políticas) atuais são mais racionais”, disse recentemente à BBC o economista do governo Juan Triana.

Ele acha que a confiança dos empresários estrangeiros pode ser restaurada.

“A forma como o governo lidava com a estrutura legal era realmente discriminatória. Acho que estamos construindo um novo ambiente. Mas leva tempo.”

Cuba recebeu a visita da presidente Dilma Rousseff na inauguração do porto e convidou uma delegação de empresários brasileiros como parte de sua nova ofensiva.

“Claro que há obstáculos, mas também novas oportunidades”, disse Julian Pedro Carpenedo, após uma missão de três dias com 31 empresas.

A empresa de Carpenedo, Globoaves, já exporta carne de frango a Cuba; o governo quer que ela invista também na produção local.

“Temos de ver o que está acontecendo para decidir se (Cuba) é o lugar certo para investir, mas estamos animados em conhecer as possibilidades”, diz o empresário.

Cubanos

No que diz respeito aos cubanos, as reformas de Raúl Castro permitindo um limitado empreendedorismo privado tornou a vida mais fácil para alguns, mas sem dar o impulso econômico necessário ao país.

Então a maioria acha bem-vinda a entrada de estrangeiros.

“Todos estamos lutando”, diz um aposentado. “Damos um jeito. Mas talvez com um pouco de ajuda de fora, a vida para nós cubanos ficaria um pouco mais fácil.”