Depois de “conquistar” a África com contratos bilionários de comércio e investimentos na produção de matérias-primas, a China está voltando sua atenção para outra região capaz de suprir os bens necessários para o seu crescimento: a América Latina.
Países com dificuldades financeiras, como Venezuela, Argentina e Cuba, foram destaque no giro que o premiê chinês, Xi Jinping, fez pela região na última semana, levando a tiracolo um ‘pacote de bondades’ financeiras.
Em um momento em que o setor de manufaturas “made in China” mostra sinais de declínio (ou talvez por causa disso), o fluxo de dinheiro do gigante asiático para a América Latina continua forte e poderoso.
Soja, minérios, petróleo e bens básicos são alvos de contratos bilionários de empréstimos e investimentos chineses na região – o que ajuda o gigante asiático a reforçar a sua influência internacional.
Um estudo das Nações Unidas prevê que até 2016 a China deve ultarpassar a União Europeia para se tornar o segundo maior parceiro comercial da América Latina, atrás apenas dos Estados Unidos.
E de acordo com um artigo publicado em janeiro na revista China Policy Review, em 15 anos a China ultrapassará até os EUA, tornando-se o principal sócio comercial da região.
Parceiro pragmático
Hoje, a China é o maior parceiro comercial do Brasil, Chile e Peru, e o segundo parceiro do México, Argentina e Chile.
Pelos latino-americanos, o país é visto como um ator pragmático, mais interessado na economia do que na política – diferentemente dos EUA e de potências europeias -, como avaliaram, em um artigo recente, os pesquisadores Peter Hakim e Margaret Myers.
“Eles não estão preocupados se a China irá ampliar sua crescente influência na região para modificar políticas locais, recrutar parceiros para seus objetivos globais ou competir com os EUA por potenciais aliados”, escreveram Hakim e Myers.
Ao mesmo tempo, “a América Latina é importante para a China, por duas razões principais: por seus recursos naturais e pelo potencial de se tornar um mercado importante para os produtos chineses”, disse à BBC Joe Chi, diretor-executivo do Centro Comercial Sino-Latinoamericano, com sede em Miami.
Os contratos preferidos dos chineses na região são para compra de matérias-primas ou criação de joint ventures para a extração de matérias-primas.
Os acordos da China com a Venezuela, país com uma das reservas de petróleo mais volumosas do mundo, são os mais vistosos.
De acordo com um estudo da Universidade de Boston, o país de Nicolás Maduro recebeu cerca de US$ 50 bilhões em aportes chineses, dos quais US$40 bilhões seriam empréstimos a serem pagos com petróleo.
Em 2013, o governo venezuelano anunciou um investimento de US$ 14 bilhões da petroleira chinesa Sinopec para desenvolver um campo na bacía petrolífera do rio Orinoco, no leste da Venezuela, com capacidade de produção de 200 mil barris de petróleo.
Na Argentina, de quem a China compra soja, o comércio bilateral quadruplicou nos últimos anos, chegando a cerca de U$ 15 bilhões – e a balança se mantém desfavorável para o país sul-americano.
“Nós temos US$ 10 bilhões de exportações e US$ 5 bilhões de importações: ou seja, o saldo deficitário é de US$ 5 bilhões”, explica o economista Luis Palma Cane.
No Brasil, o consórcio vencedor para explorar o campo de petróleo de Libra, um dos mais promissores do pré-sal, inclui duas empresas chinesas, a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) e o fundo privado China National Petroleum Corp (CNPC).
Libra tem um volume estimado entre 8 e 12 bilhões barris de petróleo, e calcula-se que vá requerer um investimento entre US$ 200 bilhões e US$ 400 bilhões para exploração em 35 anos. Não se sabe quanto desse dinheiro virá da China.
Também em 2013, a PetroChina, uma subsidiária da CNPC, adquiriu todos os ativos da subsidiária peruana da Petrobras por US$ 2,6 bilhões.
O Chile, maior produtor de cobre do mundo, vende um terço da sua produção para o gigante asiático.
Além disso, em 2010, a China assinou um acordo com Cuba para financiar a expansão da refinaria de petróleo de Cienfuegos, que custará US$ 6 bilhões.
Para Alejandro Grisanti, chefe de pesquisa para América Latina do banco britânico Barclays, a China soube aproveitar o que ele considera “um declínio no interesse dos EUA pela região” nos últimos cinco anos.
“A China está buscando aumentar seus investimentos em matérias-primas e tem feito isso de maneira agressiva”, diz o economista.
Ambições maiores
Como se não bastassem esses números, o histórico aponta para uma evolução dos interesses chineses na América Latina para além do comércio de commodities.
“Eles agora também investem em infraestrutura, através de licitações ou de acordos privados entre os governos, com financiamento do governo chinês e participação de empresas chinesas”, diz Luis Palma Cane.
“Obviamente, o que se busca é garantir trabalho para as empreiteiras chinesas, mas também há uma estratégia geopolítica (por trás dessas iniciativas), que envolve ter uma importância econômica na América Latina.”
Na Nicarágua, por exemplo, a China está financiando a construção de um canal interoceânico que deve competir diretamente com o Canal do Panamá.
Especialistas acreditam que o projeto será crucial para a expansão do comércio da China com o resto do mundo.
Em junho de 2013, o governo do presidente Daniel Ortega anunciou a assinatura de um contrato de US$ 40 bilhões com o grupo HKND, do bilionário de Hong Kong, Wang Jing.
O montante garante à China uma concessão de 50 anos pelo direito de construir o canal e mais 50 anos para administrá-lo.
Chi explica que a China também tem interesse em construir fábricas na América Latina no futuro.
“Os custos de produção na China estão subindo lentamente e vai chegar um momento em que (a concentração da produção no país) não será mais sustentável”, explica.
A presença chinesa na América Latina, de fato, é cada vez mais evidente: agora é comum encontrar executivos chineses andando pelas ruas de grandes cidades da região, por exemplo.
Nas grandes rodadas de negócios, há uma presença significativa de investidores chineses. E empresas chinesas estabeleceram escritórios em países latino-americanos.
Também estão começando a circular com mais frequência na região carros de fabricação chinesa.
De acordo com a consultoria AT Kearney, em 2015 as montadores chinesas de marcas como Chery, Foton, Geely e Yangtze exportarão cerca de 2 milhões de unidades (em comparação com meio milhão em 2011).
Na região, seus maiores mercados são Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru e Argentina.
O carros chineses são vendidos pela metade ou dois terços do valor de modelos de marcas americanas, europeias e japonesas já estabelecidas.
Ameaça e oportunidade
Fabricados a custos menores por conta do valor ainda baixo de produção na China, os produtos chineses tiram o sono de muitas empresas latino-americanas – o que faz a relação com a China representar ao mesmo tempo uma ameaça e uma oportunidade para a região.
“Estamos constantemente competindo porque ninguém pode produzir sapatos com os preços da China”, disse à BBC Micheline Grings Twigger, proprietária da fábrica de calçados brasileira Picadilly.
“Ao mesmo tempo, (a relação com os chineses representa) uma grande oportunidade, se considerarmos o tamanho do mercado do país. Seria loucura não olhar para a China como um grande mercado para nós.”