O principal sintoma da grave doença que atinge o nosso “corpo social” manifesta-se através de multidões (que em tempos pós-pandemia são definidas “per se” como subversivas) de vários setores, que com toda a razão e justiça, se autodenominam “Cidade”e que agem demonstrando nas ruas, nos lugares, hoje sitiados, restritos ao público, que assim são, alegando adiamentos e esquecimentos de um democracia sempre no poder, na expectativa, quebrando o hoje e cada uma de suas promessas que o sustentam como sistema legítimo e legal, constituído e instituído.

As reações ao fenômeno agravam ainda mais o mal ou a doença coletiva. Desalinhados no diagnóstico, cada um dos governantes não tem outra ferramenta senão apontar que cada uma dessas manifestações busca apenas uma finalidade prática e específica.trespassar a força política daqueles que devem administrar, com o poder de monopólio do público, todas e cada uma das reivindicações que constituem a entidade do real efetivo do comum.

Se nossos atores sociais, independentemente do setor, não percebem que a questão principal é redefinir e repensar a base e a estrutura por meio das consequências, nossa noção de Estado tem se sustentado, a política se tornará simplesmente um mandato punitivocaso contrário, poderia conduzir à tragédia de impor, pela força, a regra de uma lei, que há muito deixou de ter fundamento, um substrato que invoca e com isso significa, uma redefinição do “povo”, da maioria, massas

A resposta não é mais suficiente eleitoral, o que não significa que passemos sem ele. Estamos apontando que é uma vacina que previne outras masculinas, como a que previne o sarampo, mas no meio público circula uma cepa para a qual ainda não temos vacina nem remédio.

Cidade, ilustração de Pablo Temes.

Ainda que em cada uma das aldeias o necessário se pretenda como o impossível, apagar os incêndios, acreditando que assim conseguiremos ser melhores, a verdade é que se não nos ponhamos a trabalhar no que importante, corremos o grave risco de nos desintegrarmos, numa disputa de forças cegas que nos conduzem ao lance irracional entre facções que pensam, sentem e com razão se dizem “gente”.

Se quem tem maiores responsabilidades não se aperceber da importância de prestar contas, de dar valor e de promover, a indispensável reorganização dos nossos preceitos essenciais que nos fazem parte de um estado, desse todo, de que ninguém abre mão de ver no outro ou nos outros, então, vamos continuar contando os conflitos, vê-los se reproduzir, e se agravar, através da mídia, que diariamente nos conta, ou nos conta, o número de penúrias, de presos, de mortes.

A agonia da democracia exige e exige que redefinamos a noção de massa, de povo, de constituição de maiorias, de sua expressividade, e que não fiquemos paralisados ​​pelo que pode acontecer com seu trânsito no tempo da história milenar do humano e suas formas e formas de nos organizarmos.

“A ordem simbólica tem como horizonte o discurso universal. O que o atrapalha é o objeto que ele sempre particulariza… É possível combatê-lo, mas ele nasce todos os dias, brota do grupo por todos os seus poros”.

brasilia
Incidentes na Praça dos Três Poderes do Brasil.

Miller, no texto, fala com seus colegas psicanalistas sobre uma escola de psicanálise. Claro, sem que seja sua intenção, ele está falando de outra coisa, por isso o citamos. Mesmo em outras passagens é mencionado que o que se chama de objeto a é a particularização para que o significante signifique a mesma coisa para quem está entendendo. Ele rapidamente admite, um exercício, inevitavelmente sectário. Dentro da, amigavelmente, seita da psicanálise, como bom lacaniano, o referido reafirma a condição sectária, da corrente a que pertence.

Suas palavras, no entanto, têm um impacto total nas notícias políticas de nossas democracias ocidentais.

A democracia, enraizada nas questões eleitorais, definia-a como condição necessária e suficiente, como sê-lo, faz-nos perder a capacidade que reside na política, como instrumento de poder, de transformar os aspectos básicos da sociedade ou da comunidade onde desenvolve.

A garantia eleitoral, onde as supostas liberdades individuais e públicas são consagradas através do voto (que não é uma eleição, mas, no melhor dos casos, uma opção), paralisa tudo o mais que podemos fazer num pacto social em que sejam estabelecidas. ou prioridades. Um exemplo convincente seria que em nenhuma de nossas democracias modernas uma ordem de prioridade é estabelecida ou pelo menos um objetivo claropelo qual a administração que manda, a administração do governo, com o que isso implica em manter ou não o apoio da maioria dos governados, ou sentir tal oficialismo, sendo contestada por uma oposição que propõe outra coisa ou outras prioridades.

Cristina Kirchner

Para continuar tentando ser mais claro. O reinado dos gurus que oferecem a campanha perfeita, o triunfo eleitoral permanente e a adesão das massas, nada tem a ver com indício de tempos modernos ou mero acaso.

A democracia eleitoralista propõe apenas que escolhamos entre dirigentes, entre súditos, no máximo entre minúsculos grupos deles (como são cada vez mais reduzidos, encontramos o óbvio problema da crise dos partidos políticos ou das ideologias) que oferecerão formas, técnicas ou mecanismos , de impacto, para que nos convençam de que são melhores que os outros. A questão está resolvida, a tensão de poder está resolvida, se gostamos mais de um candidato, esteticamente, ou sentimentalmente, ou de outro, se uma mensagem armada de histórias e efeitos únicos nos chegasse de forma mais convincente.

A democracia fica alienada, enlouquece, deixa de ser razoável, por um tempo, a hora exata em que outra eleição é convocada (forçada e forçada). Esse sujeito democrático, do qual todos somos parte constitutiva, nos separa, nos divide. De um lado estão aqueles que gostam, ou que nos convenceram de que o cabelo loiro é melhor, aquele que usa tais roupas, que lê tal livro, ou que ouve tal grupo musical, acima do outro, que tem tal profissão, tal cor de pele, pele, ou seus ancestrais pertenciam a uma determinada comunidade cultural.

Em termos políticos e em conceitos, amplamente trabalhados por alguns mestres como Arendt (A promessa da política) Y Derrida (história de mentiras), pedem, exigem, reivindicam, pedem, ao democrático, à política, e portanto a quem a representa (ela, não nós, cidadãos ou o povo, como se prefere) ou seja, os políticos, noções como a verdade, a certeza ou o consciente, é pelo menos histérico, mas típico de comportamento psicótico.

30-10-2022-Votações
Em 2023 haverá eleições na Argentina.

Se quisermos compreender, compreender, ou mesmo o impossível de mudar, tal linguagem lógica do democrático, só a encontraremos se no reino do inconsciente, nesse não-lugar que, estruturado como um, é o outro que supostamente nos é oferecido, através de discursos armados, longas campanhas e posturas de riso e gestos.

Mais ainda, quando nos fazem querer é quando nos governam, no reino do deserto do real (quando nos querem dizer que os fantasmas não existem ou que foram exterminados) o político e o democrático, param, como entre parênteses, pela parusia vindoura daquilo que nos redime, e é por isso que, em termos políticos e metodológicos, a única invariável das democracias é o exercício, digamos masturbatório (já que ao menos persegue o prazer imediato) do eleitoral

A democracia, a política, o inconsciente e o fantasma lacaniano são os diferentes significados para os quais o grande significante do voto, da eleição, da liberdade política, não se significa e nos dá a sensação de que tudo pode estar em movimento, sem que nada se move, de outro plano, que a estrutura com que sentimos, pensamos e da qual invariavelmente desconhecemos e não toleramos.

A questão eleitoral funciona como um sinthoma, como âncora indispensável com a realidade, com a democracia, com a vontade geral, com o desejo de continuarmos a fazer parte de um espaço comum (a república ou a coisa pública) mesmo que não façamos parte dele .disso (nem de forma justa, nem por desejo) nem mesmo o consideramos.

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Ou seja, não votamos, nem queremos, para validar o que é democrático, mas simplesmente porque é a última brecha, antes que prevaleça a desordem, que nos obriga a construir ou constituir uma nova ordem.

Se pretendemos continuar, na coisa pública, com sentido democrático, devemos preservá-la da banalização eleitoral a que a temos submetido.

Do contrário, aprofundaremos o aceleracionismo em que caímos, e um belo dia, uma das tantas manifestações a que assistimos, diretamente ou por meios audiovisuais, nos imporá a desordem que nos obrigará a uma nova ordem. A falta da lei como pai simbólico, como dispositivo fálico, ficará evidente e no desespero que tal incerteza produz, nós a cobriremos sem um objeto que a substitua ou que anteriormente tenhamos projetado, imaginado ou desejado e a palavra vai ficar em segundo plano, correr para o ato puro.

* Romancista e ensaísta. Publicou livros sobre filosofia política e romances. É diretor do jornal Comunas del Litoral e autor de diversos artigos.

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