• Pablo Uchoa
  • Da BBC Brasil em Washington

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Ante previsão de expansão da economia, México virou menina dos olhos de analistas de América Latina

Um país que está “fazendo a lição de casa”, na expressão preferida do mercado; que deve se beneficiar diretamente da recuperação da economia americana nos próximos anos e que está menos atrelado à desaceleração chinesa; e que por isso se tornou a menina dos olhos dos analistas de América Latina.

Nadando contra a maré de emergentes que vêm desapontando o mercado, a economia do México tem suscitado entusiasmo apesar de ter crescido apenas 1,1% no ano passado, o pior desempenho desde 2009.

Ainda assim, analistas acreditam que o país terá resultados melhores que seus vizinhos latino-americanos neste ano e no próximo. As apostas são de uma taxa de crescimento de pelo menos 3% em 2014, aproximando-se de 4% em 2015.

As projeções ficam bem acima das que o mercado reserva para o Brasil. Segundo o último boletim Focus, do Banco Central, o setor privado espera expansão de 1,7% e 2% para a economia brasileira neste ano e no próximo, respectivamente.

Já a América Latina como um todo deve crescer 3% e 3,3%, ainda segundo os cálculos do FMI.

“Acreditamos que existem boas razões para crer que (o México) será a estrela da América Latina nos próximos anos”, analisou a consultoria Capital Economics, de Londres, para quem o crescimento mexicano será de 4% ao ano no próximo biênio.

Reformas

O entusiasmo com a economia mexicana vai na rabeira da recuperação da economia dos EUA, principal parceiro comercial do México.

Números que serão divulgados na próxima sexta-feira devem indicar que o PIB americano cresceu a uma taxa anualizada de 2,5% no último trimestre, segundo o mercado.

Mas há outros fatores que contribuem para o otimismo. Comparado a Peru, Chile e Colômbia – economias exportadoras de matérias-primas que também devem crescer acima da média regional latino-americana –, o México está muito pouco atrelado à economia chinesa, atualmente em fase de esfriamento.

No médio e longo prazo, o país deve colher os benefícios de um pacote de reformas aprovado pelo governo do presidente Enrique Peña Nieto.

Entre elas está a do setor energético, que passará a permitir o investimento estrangeiro em uma área altamente estratégica para o país (atraindo US$ 1 bilhão por mês para a economia mexicana, segundo o banco JP Morgan). As mudanças também afetam legislação trabalhista, financeira e de telecomunicações.

Enrique Peña Nieto, presidente do México (Reuters)

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Pacote de reformas de Peña Nieto deve dar frutos no médio e longo prazo

Analistas calculam que, com elas, o PIB potencial mexicano – a capacidade da economia de um país de crescer sem gerar inflação – salte para perto de 4%, dos atuais 2-3%.

Por esta razão, a agência de classificação de risco Moody’s elevou no início deste mês a qualidade da dívida mexicana. “A aprovação de uma agenda ampla de reformas (…) reflete vontade política para enfrentar problemas estruturais de longo prazo”, disse a Moody’s.

Para a consultoria Economist Intelligente Unit, a aprovação das reformas no primeiro ano da gestão Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional, contrasta com 12 anos de paralisia em dois governos do centro-direita Partido da Ação Nacional.

Ambos as siglas, e mais o Partido da Revolução Democrática, se uniram em um “Pacto pelo México”, que possibilitou a passagem das leis.

Sem esconder o entusiasmo pelas reformas, a revista Time dedicou sua capa ao presidente Peña Nieto, afirmando que o líder mexicano está “salvando” o país.

Porém, nem todos os economistas estão deslumbrados com o desempenho da economia mexicana.

Laura Carlsen, diretora de Américas do Centro para Pesquisa e Política Econômica (CEPR, na sigla em inglês), organização com sede em Washington, acredita que o México está apenas tirando o atraso de anos de crescimento insuficiente, enquanto outros países emergentes gozavam de uma expansão mais expressiva.

Entre 2001 e 2013, a média anual de crescimento do PIB mexicano foi de 2,1%, segundo a Moody’s.

Uma avaliação do CEPR atribui ao Nafta – bloco econômico norte-americano integrado por México, EUA e Canadá, que completou 20 anos neste mês – parte do desempenho ruim da economia mexicana nas duas últimas décadas.

Nesse período, a economia mexicana ficou em 18ª colocação entre 20 países latino-americanos pelo critério de crescimento da renda per capita (o Brasil ficou em 13º). O PIB per capita mexicano subiu 18,6% em duas décadas, cerca de metade do aumento da renda regional, apontou o CEPR.

Os níveis de pobreza em 2012 – 52,3% da população mexicana – permaneciam no mesmo patamar de 1994, o que na prática significou um aumento numérico de 14,3 milhões de pobres em 20 anos.

Para o centro de estudos, o desemprego de 5% (comparado a 2,2% em 1994) “subestima seriamente” a deterioração no mercado de trabalho, que viu a perda de 300 mil empregos formais e o aumento de um 1 milhão de empregos informais.

“Hoje o México está melhor que os Brics, o que é uma grande mudança. Mas esse melhor crescimento mexicano vem após duas décadas de crescimento medíocre”, disse Carlsen à BBC Brasil, falando por telefone do México.

“Então agora que outros países estão começando a desacelerar, o México mal está começando a tirar o atraso.”

Modelo questionável

Para o CEPR, mais que uma questão de desempenho, o caso mexicano levanta um debate sobre modelos de crescimento. Diferentemente do Brasil, que se ancorou no consumo interno – e agora se defronta com o esgotamento do modelo –, o México olhou para fora e buscou se apoiar no livre comércio.

Além de assinar o Nafta, o país integra a aliança de países latino-americanos com saída para o Oceano Pacífico.

Mas “as estatísticas de expansão econômica e de comércio não estão diretamente ligadas ao bem-estar da população”, argumenta Carlsen. “O crescimento é necessário e o México precisa crescer mais e gerar mais empregos, mas a distribuição e a desigualdade são um grande problema.”

O programa mexicano de distribuição de renda – Oportunidades – veio antes do Bolsa Família, mas nunca foi tão abrangente quanto a sua versão brasileira, ela explica.

“Faltou uma política integrada de desenvolvimento nacional. O país passou a se apoiar unicamente no mercado internacional, que é chamado de livre, mas na verdade é altamente manipulado por algumas poucas corporações”, critica Carlsen.

Com as boas perspectivas do México para os próximos anos, concomitante a uma desaceleração nos países que adotaram outros modelos de desenvolvimento, “já se ouvem vozes dizendo que isso é uma prova de que o modelo mexicano de livre comércio funciona”, diz a pesquisadora.

“Isso é ridículo. Durante todo o tempo em que o México crescia a metade do que os outros países latino-americanos cresciam, ninguém queria associar isto ao fato de que o México tinha um modelo de livre comércio, e que outros países estavam mitigando esse modelo.”