- Author, Rone Carvalho
- Role, Da São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Seja por SMS, mensagem no WhatsApp, ligação ou pessoalmente, cresce de forma exponencial no Brasil o número de golpes. É até difícil conhecer algum brasileiro que não caiu em um – ou evitou cair.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em cinco anos, quadruplicou o número de ocorrências do tipo no país: de 426.799, em 2018, para 1.819.409, em 2022. Uma média de 207 casos por hora.
A lista inclui velhos golpes conhecidos da polícia, como do falso bilhete premiado, a novos, como da “mão fantasma” e do falso brinde de aniversário.
Para especialistas em segurança ouvidos pela BBC News Brasil uma série de fatores explicam o aumento exponencial de golpes no país.
“O Brasil passou por um processo de digitalização das finanças muito intensivo, isso já estava em curso, mas foi acelerado com a pandemia do coronavírus. O que criou um conjunto de oportunidades aos criminosos”, apontou David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para ele, o grande desafio do país para combater essas novas modalidades de crimes digitais passa pelo melhoramento das técnicas de investigação.
“Temos um desafio que é o de reter novos talentos para a polícia na área digital. A polícia mais do que nunca vai ter que disputar esses talentos com o setor privado, seja na questão salarial, seja com melhorias na infraestrutura.”
David também defende uma maior concentração das forças de segurança nas investigações. “Precisamos de uma atualização das tarefas de articulação das policias brasileiras. Hoje, em muitos casos, os criminosos que está aplicando golpes em São Paulo, não está no estado, mas em outro estado da federação.”
Já Adriano Volpini, diretor do comitê de prevenção a fraudes da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), defende que o país invista em educação digital.
“O brasileiro ainda tem um comportamento de segurança no mundo digital diferente do que adota diante do mundo físico, em que as pessoas já se acostumaram a tomar cuidados com carteiras, pertences e celulares”, afirmou.
Ele diz que, em regra, os golpes mais aplicados nos dias atuais, utilizam a mesma abordagem e técnica de ações criminosas já são praticadas há anos.
“Basta pensar nos golpes comuns no passado, onde alguém encontrava um anúncio no jornal e acreditava que compraria um carro de um funcionário de uma montadora pela metade do preço. Ao fazer o pagamento antecipado, quando seguia para retirar o carro na porta da montadora, descobria que o anúncio não existia e era uma fraude. Hoje, isso é muito comum com anúncios nas redes sociais.”
À BBC News Brasil, Adriano Volpini listou os golpes que, atualmente, estão sendo mais aplicados pelos criminosos.
Golpe do falso presente
Joana (nome fictício), que prefere não se identificar, foi vítima do golpe do falso presente. A modalidade de estelionato tem sido uma das mais aplicadas por criminosos nas capitais do país.
“No dia do meu aniversário, um entregador chegou na portaria do meu trabalho e me informou que tinha uma entrega para mim, mas que eu tinha que descer para buscar.”
Quando chegou ao local, o entregador a informou que ela somente deveria pagar a entrega, pois a cesta de aniversário de uma famosa loja de chocolates já estava paga.
“No momento, eu nem desconfiei, pois ele estava todo uniformizado e tudo era customizado da loja de chocolates.”
Após pagar com o cartão de crédito e subir de volta ao local de trabalho com a cesta que acreditava ter ganho, Joana descobriu que havia caído em um golpe.
“Só lembro do meu cartão bloquear, após eles terem feito várias transações. Tudo foi em questão de segundos”, lembra a vítima.
O golpe se consuma quando o falso entregador entrega uma maquininha com o visor danificado de forma que impossibilite a visualização do preço cobrado na tela ou ainda ao fazer a troca de cartão, sem que o cliente perceba.
“Nesses casos, orientamos que os clientes, não forneçam dados pessoais e jamais aceitem presentes e brindes inesperados, sem saber quem realmente mandou”, orienta Volpini, da Febraban.
Golpe do 0800
Quem também foi vítima de outro golpe “do momento” foi Leonor (nome fictício), que, acreditando estar falando com um funcionário de sua instituição financeira, caiu no golpe do “falso 0800”.
“Tudo começou com uma mensagem por SMS informando de uma compra em meu nome e que para cancelar eu deveria ligar em determinado 0800.”
Desesperada, ela ligou e ao informar as informações do seu cartão para o falso funcionário foi alvo dos criminosos. “O mais impressionante é que o SMS tinha meu nome e até a loja que eu sempre compro. Por isso, acabei acreditando.”
No golpe, como a compra é falsa, ao ligar para a falsa central de atendimento, o golpista diz que a transação está em análise e que por isso ainda não aparece na fatura do cliente. E que para resolver o assunto, o consumidor deve fazer uma transação para regularizar o problema, ou ainda pede dados pessoais, como número de conta e senha, para cancelar a operação.
“Outro artifício que também tem sido muito usado pelos golpistas nas mensagens é afirmar que as milhas ou pontos do cartão do cliente estão vencendo e que ele precisa ligar para determinado número”, alerta Adriano Volpini.
Golpe do WhatsApp
Contudo, engana-se quem pensa que os golpes se restringem apenas a falsas mensagens. Nos dias atuais, até fotos estão sendo usadas para fazer novas vítimas.
É o caso do golpe do WhatsApp. Nele, o criminoso escolhe uma vítima, pega sua foto em redes sociais, e, de alguma forma, consegue descobrir números de celulares de contatos da pessoa.
Em seguida, passa a mandar mensagens para amigos e familiares da vítima, alegando que teve de trocar de número devido a algum problema. A partir daí, se passando pelo familiar, pede uma transferência via Pix, dizendo estar em alguma situação de emergência.
Laurinda, que prefere não se identificar, foi uma das brasileiras que quase caiu na armadilha dos criminosos. “Somente não caí porque resolvi ligar para o meu filho e descobri que o celular dele não tinha quebrado coisa nenhuma e que aquele número era de um golpista”, lembra.
Como forma de evitar novas vítimas, Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) orienta que as pessoas evitem cadastrar números de WhatsApp de desconhecidos.
“Ao receber uma mensagem de algum contato com um número novo, certifique-se que a pessoa realmente mudou seu número de telefone. Não faça Pix ou qualquer tipo de transferência até falar, de preferência por ligação, com a pessoa que está solicitando o dinheiro”, alertou Amorim.
Outros golpes
Também estão na lista dos golpes mais aplicados o golpe do acesso remoto, popularmente conhecido como golpe da “mão fantasma”.
Nele, o fraudador entra em contato com a vítima se passando por um falso funcionário de banco.
Usa várias abordagens para enganar o cliente e diz que vai enviar um link para a instalação de um aplicativo que irá solucionar um suposto problema. No entanto, o link permite a instalação de um malware (software maligno).
E o golpe do falso leilão ou falsa venda, em que golpistas criam sites falsos de leilão ou de lojas de comércio, anunciando todo tipo de produto por preços bem abaixo do mercado.
“Depois pedem transferências, depósitos e até dinheiro via Pix para assegurar a compra. Geralmente apelam para a urgência em fechar o negócio, dizendo que você pode perder os descontos, mas nunca entregam as mercadorias”, alertou Volpini.
Nestes casos, bancos orientam que o cliente sempre pesquise sobre a empresa de leilões em sites de reclamação e confira o CNPJ do leiloeiro.
Golpe do falso Desenrola
Outra artimanha usada pelos criminosos para fazer novas vítimas é de acompanhar as mudanças econômicas da sociedade. Isso porque na engenharia do golpe, o perfil da vítima é o que mais importa.
“Isso fica muito evidente quando analisamos os golpes do Desenrola Brasil e até do falso emprego. Até meses atrás, em meio as dificuldades financeiras da população, criminosos estavam utilizando de falsos anúncios de vagas de emprego ou até de falsas renegociações de dívidas em nome do Desenrola Brasil para obter vantagem”, ressalta Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
No golpe do Desenrola Brasil, por exemplo, criminosos criam e-mails e mensagens falsas informando links falsos às vítimas para renegociação. Contudo, ao clicar a vítima não renegocia com o banco, mas sim com o criminoso.
“Hoje, também notamos que muitas vezes os criminosos utilizam dos próprios vazamentos de dados para aplicar golpes. Eles captam informações das pessoas e fazem ‘iscas’ aos usuários cada vez mais convincentes, com dados pessoais da vítima nesses e-mails, SMSs e mensagens que faz com que até quem tem bom conhecimento em internet acredite”, afirmou Ione.
Como não cair em golpes
Com o objetivo de te ajudar a não cair em golpes, a BBC News Brasil preparou uma lista de atitudes que podem diminuir as chances de você ser vítima dos criminosos. Confira:
- Não forneça senhas ou outros dados de acesso em sites ou aplicativos não oficiais, bem como em ligações telefônicas;
- Ao escolher uma senha, não utilize sequências numéricas de fácil dedução, como datas de aniversário, por exemplo;
- Desconfie de SMS, e-mail ou qualquer forma de comunicação dizendo ser de seu banco, mas que seja de número de celular comum e contenha erros de escrita;
- Links suspeitos podem levar à instalação de programas espiões, que podem ficar ocultos no celular ou computador, coletando informações de navegação e dados do usuário;
- Desconfie de mensagens solicitando dinheiro, mesmo sendo de pessoas próximas, pois o telefone pode ter sido clonado;
- Desconfie de informações sensacionalistas e de “oportunidades imperdíveis”;
- Utilize exclusivamente os canais oficiais do banco para buscar informações e acesso aos serviços, jamais compartilhe dados pessoais, login de usuário e senha;
- Mantenha o sistema operacional do celular e aplicativos sempre atualizados;
- Caso fique na dúvida de um contato suspeito de uma instituição financeira, desligue a ligação e retorne no número de telefone oficial da empresa;
- Ao notar que está sendo vítima de golpe, ligue para a polícia. Agora se já tiver transferido algum dinheiro, faça um boletim de ocorrência e entre em contato com a instituição financeira pela qual o pagamento foi feito.
O que dizem os bancos
A BBC News Brasil também entrou em contato com os cinco maiores bancos do Brasil em número de clientes, segundo o Banco Central, para saber quais ações cada instituição financeira está adotando para combater a alta de incidência de golpes.
Por meio de nota, a Caixa informou que monitora ininterruptamente seus produtos, serviços e suas salas de autoatendimento e, quando identificada ação criminosa em transações, as medidas cabíveis são adotadas, inclusive com atuação conjunta da Polícia Federal e demais órgãos de segurança pública.
“Como parte da atuação na prevenção dessas ocorrências, a Caixa realiza constantemente ações de orientação e esclarecimento a seus clientes por meio de seus canais de atendimento, sites eletrônicos e redes sociais. No site ‘Segurança nas Agências’, os clientes podem obter informações especificas para cada tipo de golpe e procedimentos a serem adotados.”
Ainda segundo a instituição financeira, em caso de movimentação não reconhecida pelo cliente, é possível realizar pedido de contestação em uma das agências do banco. “Além disso, os clientes também têm à disposição, em caso de dúvidas, os telefones: 4004 0104 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 104 0104 (demais regiões do Brasil).
Já o Itaú Unibanco informou que tem reforçado campanhas de conscientização e investido continuamente em tecnologias para a proteção de seus sistemas e aplicativos.
“Adicionalmente, o banco também realiza campanhas de prevenção a golpes e fraudes, por meio de diversos canais, para os seus clientes e toda a sociedade, além de dispor uma seção no site que reúne todas as dicas e orientações sobre o tema (www.itau.com.br/seguranca).”
A instituição financeira ressalta ainda que, ao ser vítima de golpe ou fraude, é necessário que a vítima contate imediatamente o banco e registre um boletim de ocorrência para que as autoridades competentes possam tomar as medidas necessárias.
Inteligência artificial
O Nubank afirmou que possui mecanismos internos de detecção de operações suspeitas, a partir do uso de inteligência artificial.
“Entre os mecanismos temos as defesas inteligentes, que consistem em um sistema construído com inteligência artificial pelo qual, com o uso de algoritmos, é possível extrair padrões de dados que indicam comportamentos atípicos em relação ao perfil do usuário. Isso permite que o Nubank se antecipe em agir contra ataques que nascem a partir da quebra de um padrão de comportamento do cliente”, explicou em nota.
Ainda segundo a instituição financeira, o aplicativo da empresa possui o “alerta de golpe”, que sinaliza caso o cliente esteja prestes a confirmar uma transação para uma conta potencialmente suspeita, via notificação no app antes da conclusão da transação.
“Outra função do aplicativo é o ‘modo rua’, que limita transações de Pix, transferências e pagamentos de boleto nos momentos em que a pessoa estiver fora das redes de wi-fi que cadastrou previamente como seguras”.
Já o Bradesco disse que com frequência implanta novos dispositivos de segurança visando combater as mais diversas tentativas de fraudes e que possui um canal de denúncias (evidencia@bradesco.com.br) para que qualquer mensagem suspeita, possa ser encaminhada pelos clientes.
“Essas mensagens são avaliadas, sites falsos são ‘derrubados’ diariamente, bem como as empresas de telefonia são contatadas para desabilitar números de telefones utilizados para fraude”, informou em nota.
A BBC News Brasil também entrou em contato com o Banco do Brasil, mas até o fechamento da reportagem não obteve resposta.