• Claudia Jardim
  • De Caracas para a BBC Brasil

Crédito, Reuters

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Subsídio ao combustível representa um rombo de US$ 12,5 bilhões anuais aos cofres de estatal

Cada vez que o frentista Fredy Joves abastece um carro no posto onde trabalha, ele costuma ganhar gorjeta de um valor maior do que seus clientes gastam semanalmente para encher o tanque.

“Geralmente deixam o mesmo valor e às vezes até mais do que eles têm que pagar pela gasolina”, conta Joves, que trabalha em um posto no bairro de Altamira, zona nobre de Caracas.

Morador do popular bairro de 23 de Enero, ele diz estar de acordo com um aumento do preço do combustível, apesar de temer que a medida aumente ainda mais a inflação.

“A situação econômica está difícil, mas já é hora de acabar com isso, deveriam ter aumentado há tempo. A gasolina é dada de presente, (o preço) não cobre nem os químicos que eles usam na produção”, diz o frentista, enquanto completava o tanque de uma caminhonete 4X4, um dos veículos mais desejados pelas classes média e alta venezuelana. “E quem mais se beneficia são essas pessoas que desperdiçam, que usam o carro até para ir na esquina comprar jornal.”

Com o preço do combustível congelado há 17 anos, o governo de Nicolás Maduro enfrenta um tema sensível para a sociedade venezuelana ao ter confirmado, na terça-feira, o aumento do preço do combustível.

Nesta quinta-feira, no entanto, Maduro se pronunciou sobre a polêmica gerada em torno do aumento, dizendo que “não há pressa” para que o ajuste entre em vigor. “(É preciso) convocar um debate, sem pressa para amadurecer uma posição nacional”, afirmou o presidente em rede nacional de rádio e TV. Esse debate, segundo Maduro, pode demorar de um mês a anos.

O presidente venezuelano disse que o aumento dos preços deve ocorrer “sem perturbações sociais nem políticas”.

Ajuste

O czar do petróleo Rafael Ramirez, ministro de Energia e Petróleo e presidente da estatal PDVSA, adiantou que governo buscará ajustar o preço da gasolina a pelo menos seu custo de produção.

Fredy Joves
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Fredy Joves diz apoiar aumento apesar de alta na inflação

Na Venezuela, país com a maior reserva petrolífera do mundo, o litro da gasolina é vendido a um preço 29 vezes mais barato do que seu custo de produção.

Encher o tanque de um carro popular com a gasolina mais barata custa em média o equivalente R$ 0,86, quatro vezes menos do que uma garrafa de água mineral na capital venezuelana. O litro da gasolina aditivada é vendido a R$ 0,03, quase cem vezes mais barato que a média de um litro do combustível em São Paulo.

Esse subsídio representa um rombo de US$ 12,5 bilhões anuais (aproximadamente R$ 28,7 bilhões). “É preciso abrir a discussão (sobre o aumento). É mais barato encher um tanque que comprar um cigarro”, afirmou o ministro.

Rebelião

O preço da gasolina na Venezuela se transformou em uma espécie de tabu a partir de 1989, quando o aumento do preço combustível foi o estopim de uma rebelião popular conhecida como Caracazo.

Em pouco mais de uma semana de protestos e de repressão militar, centenas de pessoas foram mortas e desapareceram, o governo de Carlos Andrés Perez ficou debilitado e, posteriormente, caiu.

Em 1997, Rafael Caldera reajustou o combustível, também a contragosto, sem sofrer maiores pressões nas ruas, mas sem apagar por completo o fantasma do Caracazo.

Seu sucessor, Hugo Chávez, governou durante 15 anos na esteira da bonança petroleira e jamais ousou tomar tal medida, vista como impopular.

O tradicional e popular “cachito”, um pãozinho que faz parte do café da manhã dos venezuelanos, custa dez vezes mais caro do que o valor de quase 60 litros de gasolina que o engenheiro José Fernandez pagou para abastecer sua caminhonete 4X4.

José Fernandez diz que o atual preço da gasolina chega a ser vergonhoso
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José Fernandez diz que o atual preço da gasolina chega a ser vergonhoso

Recém chegado de uma viagem a Portugal, Fernandez conta que, ao sentir no bolso o preço da gasolina fora do seu país, pode dimensionar o que significa o subsídio da gasolina. “É preciso aumentar, é até vergonhoso não pagar nada por isso. Em Portugal, meio tanque me custou 50 euros e doeu no bolso.”

O taxista Humberto Arcoé, no entanto, é contra o reajuste no valor do combustível. Ele teme que um aumento do preço da gasolina possa fazer disparar não somente os preços, mas também o descontentamento social e que as ruas sejam tomadas por novas manifestações contra o governo.

“Quem viveu o Caracazo sabe o que é isso e dá medo sim. Além do mais, tudo vai ficar mais caro e quem sofre é o povo. Melhor deixar como está.”

Tabu

O governo de Maduro promete reverter a renda proveniente do aumento da gasolina em melhorias para os programas de saúde, educação, moradia e transporte.

Para o economista Víctor Álvarez, ex-ministro do governo Chávez, o aumento da gasolina é uma oportunidade de reverter o tabu de que acabar com o subsídio é antipopular. Para ele, ao manter a gasolina tal como está, o governo comete uma “injustiça redistributiva”.

“Antipopular e regressivo é continuar mantendo um subsídio que beneficia a um setor que mais recursos tem, que são os donos de veículos, enquanto que aqueles que não tem um carro se veem condenados todos os dias a enfrentar um transporte público precário e deficiente”, afirmou Alvarez à BBC Brasil.

O especialista afirma que o subsídio gera uma distribuição regressiva do ingresso petrolífero, além de consequências ambientais negativas devido ao desperdício do combustível.

Oposição

A oposição, no entanto, refuta essa teoria, ao apontar que a medida busca melhorar a liquidez da conta corrente em meio à crise econômica.

“(O governo) está desesperadamente buscando dinheiro para pagar o serviço da dívida pública. Necessitam tirar dinheiro dos bolsos das pessoas de qualquer maneira”, afirmou Antonio Ledezma, prefeito da Área Metropolitana de Caracas.

Apesar da crise econômica e de uma inflação de cerca de 60%, acumulada nos últimos 12 meses, 55% dos venezuelanos são favoráveis ao aumento da gasolina, de acordo com o instituto de pesquisa Hinterlaces. No entanto, a maioria dos outros 44% que estão em contra da medida são de setores populares, que temem que um ajuste do combustível possa incrementar ainda mais o custo da vida.