- Author, Laís Alegretti
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
As informações são parte de dados inéditos divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (25/10).
A seguir, confira dados que traçam o perfil desses trabalhadores no Brasil, além dos valores médios de rendimento desses profissionais em comparação a motoristas e motoboys que estão fora de plataformas – como motoristas particulares, taxistas que não usam aplicativos e entregadores que prestam serviços diretamente a empresas fora das plataformas.
Salário de motorista de aplicativo
Motoristas de aplicativos recebem, em média, R$ 11,80 por hora trabalhada – ou 87% do ganho daqueles que atuam fora das plataformas (R$ 13,60).
E as jornadas são mais extensas: os motoristas de aplicativos trabalham, em média, 7 horas a mais horas por semana (47,9 horas) que os que estão fora das plataformas (40,9 horas).
No fim do mês, os motoristas de aplicativo – com mais horas trabalhadas, chegam a um rendimento médio (R$ 2.454) ligeiramente superior aos ganhos dos que atuam fora de plataformas (R$ 2.412).
Considerando apenas o trabalho principal dos brasileiros, a estimativa é que havia em 2022 um total de 1,2 milhão de pessoas ocupadas como condutores de automóveis na atividade principal de transporte rodoviário de passageiros – 60,5% trabalhavam por meio de aplicativos de transporte (inclusive táxi) enquanto 39,5% não utilizavam esses aplicativos.
Salário de entregador de aplicativo
O ganho médio por hora de motoboys que trabalham com entrega por aplicativo (R$ 8,70) representa 73% da remuneração por hora daqueles que não trabalham para plataforma (R$ 11,90).
Na mesma linha do que ocorre com os motoristas, a média de horas trabalhadas por semana é maior para o motoboy que trabalha para aplicativo (47,6 horas) do que para os demais (42,8 horas).
No entanto, mesmo com jornadas mais extensas, o ganho médio no fim do mês é menor para os que trabalham para plataformas (R$ 1.784) do que para os motoboys fora dos aplicativos (R$ 2.210).
Considerando os condutores de motocicletas em atividades de malote e entrega no trabalho principal, o IBGE estimou um total de 338 mil pessoas em 2022 – 50,8% atuando por meio de aplicativos de entrega, e 49,2% fora das plataformas.
Os valores de rendimento, segundo o IBGE, consideram a receita do trabalhador após descontar despesas com aquele trabalho – como combustível, por exemplo, no caso de motoristas e entregadores.
Os dados sobre trabalhadores de plataformas, referentes ao 4º trimestre de 2022, foram divulgados pela primeira vez pelo IBGE – por isso, não há ainda histórico que permita comparar o resultado com períodos anteriores.
O IBGE informou que essas estatísticas, parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), estão em fase de teste e sob avaliação.
O levantamento considera o trabalho principal de pessoas de 14 anos ou mais ocupadas no período de referência da pesquisa.
Regras para trabalho por aplicativo?
Os dados divulgados nesta quarta-feira jogam luz sobre um tema que vem sendo discutido no Brasil e no mundo – os desafios trazidos pelo trabalho por plataforma, uma modalidade que não se enquadra em todas as características de empregados tradicionais e tampouco de autônomos da forma que conhecemos.
O número de plataformas digitais de trabalho quintuplicaram em todo mundo na última década, segundo relatório da OIT de 2021.
No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego prepara uma proposta de regulamentação do trabalho para aplicativos – o texto seria enviado ao Congresso até o fim de setembro, segundo o governo, mas isso ainda não aconteceu.
O Ministério do Trabalho e Emprego respondeu na terça-feira (24/10) que o projeto de lei ainda “está em construção” e que a previsão é de envio ao Congresso até o fim da próxima semana.
Sem proteção: trabalhadores por app longe da Previdência
Em um ponto fundamental para a discussão de políticas nessa área, a pesquisa mostrou que os trabalhadores de plataformas estão menos protegidos pela Previdência do que os demais trabalhadores no setor privado.
Só 23,6% dos motoristas de app faziam contribuições à Previdência – o que significa que mais de sete a cada dez estavam desprotegidos pelo INSS. A taxa para motoristas que atuavam fora de plataformas era de quase 44%.
Entre os motoboys de aplicativo, só 22,3% contribuíam com o INSS, enquanto a taxa era de quase 40% para os que atuam fora das plataformas.
A BBC News Brasil já havia mostrado, nesta reportagem, a estimativa de que apenas um a cada quatro entregadores e motoristas autônomos paga contribuição ao INSS, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do IBGE.
Os trabalhadores que não contribuem com a Previdência Social, além de não terem seu tempo de trabalho contado para a aposentadoria, não estão protegidos em casos de acidentes ou de doenças que exijam afastamento do trabalho. Também não recebem salário-maternidade e não deixam pensão por morte para dependentes.
Homem de 25 a 39 anos: quem são os trabalhadores de app no Brasil
Os dados gerais da pesquisa consideram, além de motoristas e motoboys, outros brasileiros que atuam por meio de outros tipos de aplicativos, como de prestação de serviços gerais ou profissionais – faxina, lavagem, cuidado de pessoas, reformas e reparos, entre outros.
A quantidade de brasileiros ocupados no 4º trimestre de 2022 – desconsiderando os empregados no setor público e militares – foi estimada em 87,2 milhões.
Desse total, 1,49 milhão de pessoas trabalhavam por meio de plataformas digitais de serviços – com uma concentração no Sudeste de quase 58% do total de trabalhadores plataformizados.
E quais são os tipos de aplicativos de serviços mais usados como plataforma de serviço por esses trabalhadores, segundo a pesquisa?
- 47,2% (704 mil pessoas): aplicativos de transporte particular de passageiros (exceto aplicativo de táxi);
- 39,5% (589 mil pessoas): aplicativos de entrega de comida e de produtos;
- 13,9% (207 mil pessoas): aplicativos de táxi;
- 13,2% (197 mil pessoas): aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais (faxina, cuidado de pessoas, reformas etc)
A soma dos percentuais acima supera 100% porque o mesmo trabalhador pode usar, em seu trabalho principal, mais de um tipo de plataforma – por exemplo, aplicativo de táxi e de transporte particular.
E qual é o perfil desses trabalhadores?
Os trabalhadores por aplicativo são principalmente homens (mais de 81% do total), uma proporção bem maior do que a parcela masculina na média geral dos trabalhadores ocupados fora do setor público (59%).
Quase metade (mais de 48%) das pessoas que trabalhavam por meio de plataformas estava no grupo de 25 a 39 anos. A taxa para esta faixa etária, entre trabalhadores que estão fora das plataformas, era de 39,5%.
Em relação ao nível de instrução, a maioria dos trabalhadores de app tinha nível médio completo ou superior incompleto (mais de 61%). O mesmo grupo, entre a população de trabalhadores fora das plataformas, representava 43%.
Dependência?
A pesquisa também procurou medir o nível de dependência sentido pelos trabalhadores em relação às plataformas, em aspectos como o valor a ser recebido pelo trabalho realizado, clientes a serem atendidos, prazo para realização de tarefas, e forma de recebimento do pagamento.
O IBGE concluiu que “há diferenças substanciais entre os tipos de aplicativos de serviços em relação à dependência dos trabalhadores”.
Os maiores graus de dependência em relação à plataforma foram identificados, segundo o IBGE, para trabalhadores de aplicativos de transporte de passageiros (exceto aplicativo de táxi) e entregadores em aplicativos de entrega.
Na outra ponta, com menor grau de dependência, aparecem aqueles que utilizavam plataformas de prestação de serviços gerais ou profissionais.
Por exemplo, na pergunta sobre o valor a ser recebido por tarefa entregue, 97,3% das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativo de transporte particular de passageiros (fora táxi) afirmaram que o valor era determinado pelo aplicativo. Para outras plataformas, os percentuais foram: 84,3% para aplicativos de entrega, 79,9% para aplicativos de táxi, e 31,9% para aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais.
O levantamento também mediu a influência dos aplicativos na determinação da jornada de trabalho, com potenciais estratégias usadas por plataformas, como incentivos, bônus ou promoções que mudam os preços; ameaças de punições ou bloqueios realizados pela plataforma; e sugestão de turnos e dias pela plataforma. O IBGE disse que observou, também, a possibilidade de escolha de dias e horários de forma independente.
Por exemplo, no grupo de pessoas que trabalhavam para aplicativos de transporte de passageiros (fora táxi), 63,2% afirmaram que a jornada de trabalho era influenciada por meio de incentivos, bônus ou promoções que mudam os preços; 42,3%, por ameaças de punições ou bloqueios realizados pela plataforma; e 29,2%, por meio de sugestão de turnos e dias.
Mesmo nesse cenário, 83,8% desses trabalhadores afirmaram ter a possibilidade de escolha de dias e horários de forma independente.