Enquanto as manifestações, protestos e marchas continuam em metade do país, cujo objetivo é a renúncia do presidente e o fechamento do Congresso, a resposta do governo inclui os apelos à calma feitos pela presidente Dina Boluarte e uma dura repressão por parte da polícia e do exército. Isso levou a cerca de cinquenta mortes e centenas de feridos até agora, além da declaração de estado de emergência. Assim, o governo Boluarte vem se alinhando ao perfil de seus parceiros do setor à direita do espectro político.

Há um mês, depois que Boluarte assumiu a presidência como resultado do autogolpe fracassado de Pedro Castillo, o rumo político do país estava bastante indefinido. Em meados de janeiro, a definição ficou esclarecida depois de ter sido feita a mudança de primeiro-ministro, preferencialmente depois de apenas 11 dias no cargo, a multiplicação dos protestos e a violenta repressão, que levou três ministros a demitir-se em sinal de discrepância.

Boluarte é apoiado por grupos de direita, que representam pouco mais de um terço das cadeiras do Congresso e têm recebido reconhecimento por meio da nomeação de alguns ministros e altos cargos executivos. A presidente faz frequentes discursos em que pede desculpas pelos fuzilados das forças de ordem e tem endossado a proposta de antecipar as eleições. No entanto, a data das próximas eleições gerais a serem realizadas em 2023 ou 2024, em vez de 2026, ainda está pendente, dadas as reivindicações dos manifestantes.

Algumas das nomeações feitas por Boluarte indicam para onde está se inclinando seu governo. O ministro da Educação, Óscar Becerra, de formação multidisciplinar, foi apontado por uma investigação parlamentar como participante da aquisição de computadores a preço supervalorizado durante o segundo governo de Alan García (2006-2011), questão que não levar a um processo judicial. Sua participação nas redes sociais mostra que ele está próximo das ideias daqueles que questionam a avaliação feita pela Superintendência Nacional de Ensino Superior Universitário (Sunedu) sobre a qualidade das universidades e que, em nome da autonomia universitária, defendem a proliferação de universidades privadas com fins lucrativos. Ele mostrou sua inclinação política em uma apresentação perante uma comissão parlamentar, na qual afirmou: “Temos que detectar, através dos serviços de inteligência, os elementos que buscam minar as bases democráticas de nossa sociedade (…) admitir que estão infiltrados no magistério e no Ministério da Educação, não podemos permitir”.

O ministro do Interior, Vicente Romero, é o terceiro dessa pasta até agora no mês e meio de governo Boluarte. É general da Polícia Nacional que esteve próximo de quatro presidentes da república. Um vídeo, porém, que circula nas redes sociais o mostra distribuindo calendários de propaganda para Alberto Fujimori durante seu mandato presidencial. Até o momento em sua gestão, e devido às ações das autoridades, houve 18 mortes de civis que participaram de protestos na cidade de Juliaca.

Diante dos motins (polvilhados de excessos, como costuma acontecer nessas expressões transbordantes), a resposta do governo tem sido comparada com o caso do Brasil. Nas manifestações de Bolsonaro que invadiram o Congresso e a sede do Judiciário, houve 1.500 detidos, mas nenhuma morte.

No caso do Peru, o primeiro-ministro Alberto Otárola declarou o seguinte no Congresso: “Agiremos firmemente contra as ameaças do extremismo fundamentalista e messiânico e qualquer forma de totalitarismo impulsionado por infiltrados violentos de todos os tipos”.

A assimilação do protesto ao terrorismo é uma tese conservadora reiterada, cujo fundamento foi anunciado pelo porta-voz da direita no Congresso. O almirante aposentado Jorge Montoya recitou o seguinte no Twitter: “Se o princípio da autoridade não for restaurado, tudo está perdido. A aplicação da lei deve ser autorizada a atirar. É extremamente perigoso continuar assim.”

Boluarte, que se definiu como “uma provinciana de esquerda”, confessa não entender os protestos que se alastraram no país nas últimas semanas. Ao que parece, quando assumiu o cargo (pelo qual, dois dias antes, foi exonerada no Congresso de acusação que poderia tê-la impedido de continuar como vice-presidente), ela não tinha um rumo claro. Ele nomeou um primeiro-ministro notoriamente incompetente e um gabinete formado por técnicos. Os protestos ocorridos alguns dias depois (e provavelmente algum tipo de aproximação e acordo com setores de direita do Congresso) a levaram a mudar de rumo e nomear representantes da “mão de ferro” em altos cargos.

Enquanto isso, sua desaprovação à presidência cresceu três pontos percentuais em janeiro, chegando a 71%, segundo a pesquisa Ipsos, que detalha que a rejeição é maior no interior do país (79%) do que em Lima (57%). A desaprovação do primeiro-ministro Otárola é menor, mas também majoritária (61%), e a do Congresso alertou até 80%. Da mesma forma, uma esmagadora maioria é a favor do avanço eleitoral.

De acordo com uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos, 58% dos peruanos acreditam que os órgãos de segurança cometeram excessos na repressão aos protestos, mas metade deles afirmou se identificar com eles. E o apoio à demanda por uma nova Constituição passou de 47% em maio para 69% em janeiro.

Não está claro como se pode superar uma situação que parece encurralada e temperada com vozes que pedem uma guerra civil. A 10 de Janeiro, a Mesa Diretiva da Assembleia Nacional dos Governos Regionais sustentou que as mortes ocorridas são “produto do protesto popular e da actuação do Governo” e reiterou a sua posição “para que o avanço das eleições gerais com o corte presidencial e o Congresso sejam realizados imediatamente”, como solução efetiva para a crise política. Além disso, solicitou a “sanção daqueles que cometeram atos de vandalismo contra infraestruturas públicas e privadas”.

Certamente, a renúncia de uma estupefata Dina Boluarte não significa uma solução para os problemas de fundo do país. No entanto, seria uma válvula de escape para a pressão de uma maré social desencadeada após o golpe de estado de Pedro Castillo, sua vaga e detenção, mas que tem raízes profundas no descaso secular, tingido de discriminação e desprezo, sofrido por vastas Setores do Peru.

*Sociólogo do direito. (América Latina21).

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