- Pablo Uchoa
- Enviado especial da BBC Brasil a Edimburgo
Não só os eleitores, mas também as bandeiras saíram às ruas de Edimburgo nesta quinta-feira – dia em que os sentimentos nacionalistas foram insuflados pelo plebiscito sobre a independência da Escócia.
Detalhe: não só as bandeiras escocesas.
Além da tradicional cruz de Santo André branca sob fundo azul, símbolo da Escócia, flamulavam pelas ruas os estandartes de diversas outras regiões que aspiram à independência ou reivindicam mais autonomia, como a Catalunha, o País de Gales, o norte da Itália, a Sardenha e o País Basco.
Com seu plebiscito sobre a independência inspirando movimentos separatistas em outros países, a Escócia virou centro das atenções além das suas fronteiras.
Mas muitos estrangeiros fizeram questão de testemunhar em primeira mão o singular processo britânico – que diferente de outros será reconhecido pelo Parlamento –, movimentando uma espécie de ‘turismo político’ na bela capital do país.
“Viemos especialmente para ver como funciona a democracia. Aqui é um país democrático, onde deixam o povo votar”, disse à BBC Brasil a catalã Anna Salvà Catarineu. “Na Espanha, nem sequer nos deixam votar.”
Anna Salvà veio a Edimburgo junto com dezenas de outras pessoas em um grupo organizado na pequena Arenys de Munt.
O vilarejo, nos arredores de Barcelona, se destacou em 2009 por aprovar um sim à independência catalã em sua própria – e bastante limitada – consulta à população de 8 mil habitantes.
Entre todos os turistas do nacionalismo presentes em Edimburgo, os catalães se destacavam por serem mais numerosos. A região, uma das mais ricas da Espanha e que responde por 16% da população do país, pretende realizar um plebiscito sobre a sua própria independência em novembro.
Porém, Madri já disse que não reconhecerá o resultado. Se a consulta for convocada oficialmente, a grande probabilidade é de que seja considerada ilegal pela Justiça espanhola.
‘Futuro nas mãos da Escócia’
“A diferença entre a Escócia e a Catalunha, e o Reino Unido e a Espanha, é que aqui pelo menos os escoceses podem votar. Entendemos que há gente que quer sim e gente que prefere não. Mas o que não se pode negar é o direito das pessoas de se expressarem livremente”, argumentou à BBC Brasil o jovem catalão Antoní Martínez.
Ele caminhava com um amigo em direção ao Holyrood, a sede do Parlamento escocês.
“Nós estamos a favor do sim na Escócia porque entendemos que seria um precedente muito importante na Europa: que por fim, em pleno século 21, as pessoas possam desenhar as fronteiras de forma pacífica, nas urnas, e não com guerras, como ocorreu antes.”
Os eleitores escoceses já estão cientes de que a sua escolha no plebiscito tem repercussões em diversos cantos da Europa, mas ainda assim o afã dos estrangeiros em apoiar o separatismo escocês em raras vezes gera desconforto entre os que defendem a permanência no Reino Unido.
Um deles interrompeu o discurso de um manifestante catalão que, do alto de um banco em frente ao Holyrood, fazia um elogio ao nacionalismo escocês.
Vestido com uma camisa do Barcelona, enrolado na bandeira catalã e com uma boina vermelha que parecera saída de um quadro de Miró, o homem segurava uma faixa que dizia “Nós catalães também queremos votar… mas a Espanha não nos deixa”.
No meio de sua fala, um homem na plateia o interrompeu: “Você vota aqui?” – disse, gerando reações favoráveis e contrárias ao catalão. “Há quanto tempo você está aqui?”, insistiu o escocês.
“Em Edimburgo, apenas 24 horas”, respondeu o manifestante, descendo do banco. “Mas o futuro de toda a Europa está hoje nas mãos da Escócia.”
Mais que oxigenar a chama dos movimentos nacionalistas europeus, o plebiscito escocês tem o potencial de demarcar o caminho para outras regiões que desejam mais autonomia ou independência.
Os principais partidos britânicos já se comprometeram a transferir para Holyrood mais poderes caso a Escócia permaneça no Reino Unido. Analistas acreditam que isto venha na forma de um mandato mais claro para legislar em áreas como regime tributário e gastos sociais.
Um relatório da consultoria IHS observa que o Parlamento escocês já passará a ter mais autonomia no ano que vem para estabelecer seu próprio nível de imposto de renda, de terra e sobre a propriedade.
Londres deve limitar, porém, o uso de incentivos fiscais para atrair empresas sediadas em outras partes do Reino Unido.
Qualquer que seja a fórmula preferida pelos escoceses para ditar seus próprios interesses, a experiência deverá servir de modelo para outros movimentos nacionalistas e regionalistas europeus.
“Mesmo que o não vença, nós vamos ganhar mais autonomia para o Parlamento escocês”, disse à BBC Brasil um eleitor do não que se limitou a identificar-se como Cameron.
“Creio que existe uma grande mudança na mentalidade dos regionalistas como resultado do plebiscito, e não é só na Escócia; também na Inglaterra. Há reivindicações por mais autonomia e poderes mais regionalizados por parte das cidades do norte da Inglaterra”, diz.
“O movimento pela independência da Escócia inspirou muitas pessoas e nações a pensar em como querem ser governadas e como querem estruturar os seus poderes.”
O italiano Edoardo Rixi, expoente do partido regionalista Liga Norte na Ligúria, veio a Edimburgo com outros seis colegas do movimento. Ele disse à BBC Brasil que a experiência escocesa pode “mudar a história da Europa”.
“Hoje em dia os problemas econômicos e sociais estão crescendo porque os políticos europeus pensam nas finanças e não no povo e na sua liberdade”, afirmou.
A Liga Norte defende o federalismo italiano e por vezes menciona a criação de uma nação Padana que inclua as províncias do Piemonte, Lombardia, Vêneto, Ligúria, Emília Romana e Toscana.
“Nosso objetivo é a independência. Não nos sentimos italianos”, disse Carlo Piastra, que milita na Juventude do partido.
“Viemos aqui porque a força do povo escocês nos inspirou. Queríamos ver, respirar o ar aqui, queríamos ver a mágica da independência dessa terra.”
“Nós queremos uma Europa das pessoas e não dos bancos.”