Dois dos autores de um livro fundamental, e uma novidade para a história da Igreja Católica na Argentina, têm o processo de pesquisa que realizaram, uma solicitação da Confederação Episcopal Argentina e da Universidade Católica, tomando como uma de suas principais fontes são os arquivos, que a Igreja abre pela primeira vez, sobre os anos de maior violência política em nosso país.
O livro é um estudo acadêmico sobre a Igreja argentina durante os períodos da ditadura, que surge da mesma Conferência Episcopal Argentina e deriva do próprio arquivo. Por que a Igreja Católica precisa revisar, documentar e se desculpar publicamente por suas ações naqueles escuros quarenta anos depois?
ALBELDA: Acredito, em primeiro lugar, que a Conferência Episcopal Argentina, há muitos anos, está fazendo uma memória histórica de seu passado, reconhecendo que muitas vezes não esteve à altura. Acima de tudo para evitar aquela espiral orgânica de violência à medida que colocamos o trabalho em mãos. No entanto, deve-se dizer também que foram muitas as figuras da Igreja individual ou coletiva, tanto o episcopado, o clero, os religiosos, os leigos, que seguramente levantaram a voz naquele momento. E também foram muitos os documentos desde, já na época da última ditadura militar até o início da democracia, onde a Igreja reconhece, faz memória daquele passado e faz um pedido público de desculpas à sociedade. Eu simplesmente menciono algum documento para que você tenha uma ideia justa. Já no ano de 1981, “Igreja e comunidade nacional” é um documento onde a Igreja pede o regresso à democracia em 1983, ainda antes da assunção de Alfonsín, no documento “Deus, homem e consciência”, a Iglesia faz uma honesta revisão do que aconteceu durante a ditadura. É importante mencionar este documento porque às vezes se culpa que a Igreja tem seus tempos e ainda em uma ditadura faz um exame de consciência do que aconteceu. Mais tarde, com o retorno democrático, em 1984, uma série de documentos, “Igreja e direitos humanos”, passa em revista todos os documentos publicados pelo Episcopado de 1970 a 1984. Continuo em frente, em 1995, caminhando rumo ao terceiro milênio, primeiro pedido de desculpas concretas da Igreja argentina pelo ocorrido na última ditadura militar. Pedido de desculpas que continua no ano 2000 com a “Reconciliação dos batizados”, onde é feita uma confissão de culpa, um arrependimento e um pedido de perdão. E, por fim, um documento que tenho aqui do ano de 2012, “A fé em Jesus Cristo nos move à verdade, à justiça e à paz”, li um pouquinho, que diz: “Queremos estar perto de quem ainda sofre por atos não esclarecidos ou reparados. Aqui está precisamente a motivação pela qual esta investigação foi iniciada. Quando a justiça é esperada há muito tempo, ela deixa de ser justiça e acrescenta dor e ceticismo. Sabemos que em milhares de famílias existem angustiantes feridas abertas pelo que aconteceu após o sequestro, detenção ou desaparecimento de um ente querido. Compartilhamos a dor de todos eles e reiteramos o pedido de perdão aos que decepcionaram ou não acompanharam como deveríamos.
Como foi o trabalho de articulação e entendimento entre tantos autores?
R: Primeiramente devemos dizer o seguinte, a apreensão da verdade histórica é um trabalho plural porque envolve a apreensão de acontecimentos verificados empiricamente, mas ao mesmo tempo recebidos por subjetividades, por pessoas específicas. Você não pode fazer história, você não pode construir a história de forma asséptica, mas você tem que ver as diferentes subjetividades, pessoas, que em diferentes momentos, com diferentes histórias, com diferentes experiências, acessaram essa história. E é por isso que decidimos não fazer um trabalho individual ou coletivo, que é um mero somatório de reflexões de diferentes autores, mas sim buscamos fazer um trabalho coletivo com muita diversidade. Acabamos de comentar que usamos teólogos, historiadores, filósofos, mas ao mesmo tempo com certa orientação e estrutura. Conscientes disso, durante vários anos estivemos lendo as fontes, trabalhando nessas fontes, escrevendo. Em plena pandemia de 2020, tivemos encontros virtuais difíceis, a que não estávamos habituados, onde partilhámos com outros investigadores do mesmo trabalho o que íamos preparando, e eles iam-nos dando sugestões, contribuições, textos desconhecidos. Durante o ano de 2021, abrimos esses textos preliminares a outro grupo de pesquisadores, outros professores dentro da universidade, dentro da Faculdade de Teologia, mas também no exterior, para que eles pudessem nos dar sua opinião. E estamos fazendo o mesmo com o volume três, o volume hermenêutico que alguns autores estão escrevendo, mas também estamos trocando continuamente diferentes materiais, diferentes perspectivas para enriquecer o trabalho.
Como analisa a relação entre a hierarquia eclesiástica da época e as Forças Armadas no golpe de 1976?
LIBERTI: Este é um ponto que ficará mais explícito, se quiser, no volume dois. É aí que analisamos concreta e detalhadamente, e até em tom cronológico, embora não pretendamos fazer uma cronologia porque sempre aparecerá algum documento ao qual neste momento não tivemos acesso, ou não o temos. Aí aparecerá com mais detalhe o que podemos interpretar: a hierarquia, o que entendemos por hierarquia, só o episcopado? Poderíamos questionar.
Sua própria interpretação, como você a colocaria?
L: Claro, certamente pensaria no fato de que se as figuras externas, a figura visível, diríamos hoje, o que é tangível, foi o episcopado. Não é a única autoridade, porque um pároco em outros contextos e em outros ambientes tinha mais autoridade do que um prefeito, do que o famoso comissário, ou às vezes um líder de um movimento juvenil. Ou quais eram os orientadores dos jovens universitários, todos eles tinham um papel de liderança de liderança. Se formos ao episcopado, no volume dois, é onde fazemos mais análises. Quais foram os meios que escolheu como episcopado, isto é, como corpo? Não, veja quem estava lá naquela época, Tortolo ou Primatesta ou Zazpe ou Aramburu, para nomear quatro bispos significativos, não, os quatro deles que compunham a comissão executiva, e ao mesmo tempo representavam o episcopado, porque isso está em os estatutos da Conferência Episcopal real argentina E de que modo escolheram, por que meios para essas ligações com os estados de Estado, que são diversos e diferentes, houve alguns que privilegiaram e houve outros que, embora sugeridos e mesmo propostos, eles foram considerados.
Sinto que está implícito que você faz uma diferença entre o episcopado e outras hierarquias dentro da Igreja.
L: Tem a ver, sim, porque certamente todo esse episcopado teve que estar ligado, porém, à Santa Sé. E a Santa Sé também através do núncio e do Secretário de Estado, indicou, sugeriu, propôs ou também interveio na época. O Angelus de João Paulo II surpreendeu, superou todas as expectativas. Por isso quero me fazer entender.
Diante do projeto de pesquisa conjunto com a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Argentina, qual é a contribuição que a faculdade oferece e em que difere da missão pastoral do episcopado?
R: Em primeiro lugar, você deve deixar claro os diferentes atores. Este é um trabalho confiado pela Conferência Episcopal Argentina, estamos falando dos bispos da República Argentina, à Faculdade de Teologia, que pertence à Universidade Católica Argentina. A Faculdade de Teologia assume esse pedido de recordar, de buscar aquela verdade que nos liberta através de uma série de professores, pesquisadores da própria Faculdade de Teologia, que são os gestores acadêmicos de cada um dos escritos de cada capítulo. . A Universidade Católica Argentina, certamente à qual pertencemos, contribui com sua promoção, com sua publicação, com seu apoio, do ponto de vista logístico, econômico e moral, podemos dizer também, com esta publicação. Em que difere da missão pastoral do episcopado? Como também diz o prefácio da obra, onde escrevem os bispos reunidos na Conferência Episcopal, “a tarefa da Igreja é buscar, entre outras coisas, a paz e a reconciliação entre os argentinos”, o encontro fraterno entre os argentinos. Como Faculdade de Teologia, como teólogos sabemos que este encontro não é possível sem a busca da verdade. O que tentamos contribuir é a busca da verdade para alcançar aquela tão esperada justiça que pode produzir frutos de reconciliação entre os argentinos.
Ouça a entrevista completa na Rádio Perfil FM 101.9.