- Author, Lizo Mzimba
- Role, Correspondente de entretenimento da BBC
David Holmes se lembra vividamente do dia em que se juntou à equipe de dublês de Harry Potter.
Era agosto de 2000. O primeiro filme estava em pré-produção em uma antiga fábrica de motores Rolls-Royce transformada em um estúdio cinematográfico.
“No meu primeiro dia de trabalho, tive que ser o primeiro jogador de Quadribol do mundo”, lembra ele com um sorriso orgulhoso, fazendo referência ao esporte fictício criado por Rowling, em que dois times de sete jogadores bruxos disputam montados em vassouras.
“Colocamos uma vassoura na traseira de um caminhão e dirigimos pela pista no Leavesden Studios, com o [diretor] Chris Columbus olhando pelas lentes de uma câmera, gritando, torcendo e dizendo: ‘Sim, acho que é assim que vamos jogar Quadribol’.”
Ele teve que realizar acrobacias consideradas muito arriscadas para a estrela do filme, que tinha 11 anos à época.
Os dois rapidamente estabeleceram uma amizade que dura até hoje.
“Dave continua sendo uma das pessoas mais importantes da minha vida. Como tem sido nos últimos 20 anos”, diz Radcliffe.
“Ele era alguém com quem era incrivelmente divertido sair quando eu era jovem”, acrescenta.
“Mas então, à medida que fui crescendo, ele se tornou um verdadeiro guia para mim, uma espécie de mentor e alguém que realmente cuidava de mim. E isso continuou à medida que envelhecemos.”
Holmes concorda: “Ele era como meu irmão mais novo no cinema e depois cresceu e se tornou um dos meus melhores amigos.”
“Ele sempre esteve lá quando precisei dele”, diz o ex-dublê.
É uma declaração poderosa que está respaldada por uma experiência devastadora.
Durante os preparativos para as filmagens do sétimo filme da série, Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1, em janeiro de 2009, Holmes ficou gravemente ferido.
Enquanto ensaiava uma manobra na qual ele era rapidamente puxado para trás por um arnês (espécie de colete de segurança para escalada), ele quebrou o pescoço.
A lesão medular que sofreu o obrigou a permanecer no hospital durante vários meses. Ele ficou permanentemente paralisado do peito para baixo e agora usa uma cadeira de rodas.
Quase 15 anos depois, a vida dele é tema do documentário David Holmes: The Boy Who Lived (David Holmes: O menino que sobreviveu, em tradução livre), que detalha suas experiências e como as amizades próximas, incluindo Radcliffe, foram uma parte importante de sua vida após o acidente.
Holmes diz que refletir sobre sua trajetória para o documentário foi catártico.
“Algumas coisas não são tão fáceis de digerir”, observa. “Eu só quero ser honesto. E, honestamente, viver com o pescoço quebrado é difícil.”
“Eu já disse isso antes, quebrar meu pescoço me transformou em um homem”, afirma.
“E, olhando para trás, sou muito grato por ter conseguido manter o meu sentido de identidade, o que é provavelmente a minha maior conquista.”
Caráter e amizade
A positividade de Holmes é um tema constante ao longo do documentário de 90 minutos. Algo atribuído tanto à personalidade forte dele, quanto ao grupo de amigos próximos que o rodeiam.
É uma história de caráter e amizade, mais do que qualquer outra coisa.
“Tenho muita sorte de ter muito amor em minha vida. E você conhece aquela mensagem: ‘É preciso uma aldeia para criar uma criança’. Bom, também é preciso uma aldeia para sobreviver a uma lesão na medula espinhal. E eu tenho uma grande aldeia cheia de amor, então sou muito grato por isso”, diz Holmes.
É uma aldeia formada pelas pessoas mais próximas a ele, muitas das quais aparecem no documentário.
O grupo inclui seu amigo e cuidador Tommy, seus amigos também dublês Marc e Tolga, com quem trabalhou na saga Harry Potter. Além de Radcliffe.
“Qualquer pessoa que trabalhou nessa franquia durante todo o processo faz parte de uma família gigante”, explica Holmes. “Só pela quantidade de tempo que passamos juntos e as experiências de vida que compartilhamos.”
A produção mostra imagens que vão desde vídeos de todos eles brincando no set de filmagem, até todos sentados ao redor de sua cama após o acidente e rindo com ele hoje, enquanto comem juntos na casa de David.
Também demonstra como ele deseja constantemente olhar para frente, em vez de ficar pensando demais no que aconteceu no passado.
“Dave é, e sempre foi, uma pessoa extraordinária, antes e depois do acidente”, afirma Daniel Radcliffe, produtor executivo do documentário.
“Quero que as pessoas conheçam meu amigo, porque ele é muito engraçado, inteligente, amável e generoso.”
“E ele é uma pessoa incrível. É por isso que há muito tempo quero compartilhar o Dave com o mundo.”
Um exemplo da atitude de David perante a vida é a forma como ele ajudou a juntar dezenas de milhares de dólares para pessoas que necessitam de tratamento médico.
“É um maravilha, não?”, diz ele com orgulho justificado. “Como um raio de luz em uma nuvem muito escura. E retribuir sempre foi importante para mim.”
“Destacar os heróis que trabalham no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido [NHS, na sigla em inglês] é algo que conseguimos fazer neste projeto e estou muito orgulhoso disso. Portanto, não é apenas retribuir financeiramente, mas também retribuir conscientemente é muito importante para mim”.
Ele também espera que o documentário o ajude em seu desejo de transmitir suas habilidades e experiência às gerações mais jovens.
Seu sonho é criar uma escola de dublês para jovens atores.
“Acho que, a menos que você invista na juventude, não estará realmente investindo em toda a experiência humana. A única coisa que tem valor real neste mundo é abrir portas para outras pessoas.”
“Tive a sorte de ter muitas portas abertas para mim. E espero poder fazer o mesmo por outras pessoas, sejam elas com deficiência ou não, seja na indústria cinematográfica ou em outros aspectos da vida. Acho que retribuir é o melhor do que somos como humanos.”
Há poucas evidências no documentário de que ele sinta pena de si mesmo.
E ele deseja que aqueles que assistam ao filme recebam uma mensagem de esperança.
“Na vida você é uma vítima ou um sobrevivente, certo? Eu escolho ser um sobrevivente, e se isso tem um efeito indireto para outras pessoas que estão passando por dificuldades na vida, então tem que ser algo positivo.”
“Não há problema em ser vulnerável. Em mostrar que a vida não é fácil e que, em última análise, às vezes a vida não é gentil com você”, afirma.
“Mas a maneira como lida com isso é um reflexo de quem você é. É importante superar todos os desafios e simplesmente aceitar tudo o que a vida destina a você. O bom e mau.”