- Claudia Jardim
- De Caracas para a BBC Brasil
Procurado pela Justiça há dias, o dirigente opositor Leopoldo López se entregou às autoridades venezuelanas nesta terça-feira, em manobra que cria dilemas tanto para o governo quanto para a oposição anti-chavista.
A iniciativa de López dá início a uma jogada política que mira, segundo analistas, conquistar a liderança da coalizão opositora e abrir caminho para uma candidatura presidencial.
Acompanhado por uma multidão de jovens universitários, López cumpriu o roteiro anunciado na véspera: assumiu um tom heroico e se entregou à Guarda Nacional, que o esperava em um dos pontos de contenção da manifestação, ao leste da capital.
“Hoje me apresento a uma Justiça injusta, corrupta, que não julga de acordo com a Constituição e as leis. Se a minha prisão servir para despertar o povo, valerá a pena”, discursou em um alto-falante.
López é acusado pelo governo de ser o responsável por incitar a onda de violência no país que já soma quatro mortos e centenas de feridos desde a semana passada.
Unidade à oposição
Ainda não está claro quais serão as acusações atribuídas a López e se ele será mantido na prisão. Isso determinará se ele poderá solicitar um habeas corpus e responder ao eventual processo em liberdade.
O vice-chanceler Calixto Ortega afirmou à TV local que López – detido em um tribunal em Caracas – tem uma ordem de apreensão e não de prisão e “poderia ser liberado” após prestar declarações.
Em pronunciamento nesta terça, o presidente Nicolás Maduro afirmou que a entrega de López foi negociada. E, numa tentativa de desinflar os protestos, o presidente convocou seus adversários a um diálogo nacional e respondeu uma das demandas do movimento estudantil, ao anunciar que o Ministério Público determinou a libertação de 90% dos jovens que foram detidos durante as manifestações.
A analista política Mariclein Stelling opina que, se a Justiça levar adiante o pedido do governo de prender López, dará elementos de unidade à oposição que não existiriam caso o dirigente opositor não fosse detido.
“Sem eleições, a unidade da oposição não tem razão de existir. (Os opositores) estariam um ano e meio (até o pleito legislativo em 2015) sem adversário com o qual disputar e se debilitariam naturalmente”, afirma.
A seu ver, a manobra de López tem como objetivo chegar ao palácio de Miraflores num próximo período presidencial. “López busca projetar-se a uma candidatura presidencial. Se ele for mantido na prisão, a oposição ganhará um herói e uma vítima”, acrescentou.
O jurista Juan Rafaelli, professor da Universidade Católica Andrés Bello, concorda.
“O governo tem uma batata quente nas mãos”, afirmou à BBC Brasil. “Num país em crise, ao manter preso um líder da oposição, o governo joga uma carta perigosa e tende a aglutinar ainda mais os opositores.”
Armadilha para a oposição
Mas a oposição também tem a perder. A decisão de López de se entregar acompanhado de milhares de seguidores se converteu numa espécie de armadilha para os demais partidos da coalizão de oposição.
Os principais dirigentes anti-chavistas não concordam com o tom violento e sem objetivos claros impresso às manifestações, mas não podem admitir publicamente que um de seus aliados pode estar agindo em benefício próprio.
Na disputa interna da oposição, está o apoio das classes populares, a base do chavismo. Neste setor, o opositor moderado Henrique Capriles, governador de Miranda, é mais bem aceito que López (que é visto por parte da população de baixa renda como “mauricinho”).
A historiadora Margarita López Maya opina que, em meio à disputa pela liderança da coalizão de oposição, López obrigou os demais partidos de oposição a apoiá-lo em uma jogada política com a qual não estavam de acordo.
“López se fortalece. É uma jogada audaciosa que faz sombra a Capriles”, afirma à BBC Brasil. “O jogo de se fazer de vítima dá crédito político. Os holofotes estarão sobre ele agora.”
Divergências
Capriles compareceu à manifestação desta terça acompanhado de dirigentes da coalizão de oposição Unidade Democrática (MUD).
Ele tem criticado a postura de López de levar parte da população às ruas sem a possibilidade real de promover mudanças. Um político próximo a ele disse à BBC Brasil que Capriles participou da manifestação “porque não teve outra saída”.
Na véspera, em entrevista à CNN, Capriles reiterou seu desacordo em levar a população às ruas com a falsa promessa de que terão força suficiente para mudar o governo. “É preciso entender que se o povo humilde não sai (às ruas), não há maneira de promover mudanças”, afirmou.
A juventude que acompanhou a López nesta terça-feira pensa o contrário: quer que os protestos forcem à renúncia de Maduro, tal como está desenhado no plano liderado por López chamado “A saída”.
“Ele será preso e nós continuaremos nas ruas, em defesa dele e até derrubar esse governo”, afirmou à BBC Brasil o estudante de engenharia Gustavo Palácio. “Leopoldo é um exemplo para toda nossa juventude.”
Entre cartazes de repúdio à violência e a escassez de alimentos, destacava-se a frase “Eu sou Leopoldo”.
Próximo dali, trabalhadores petroleiros marcharam em defesa do governo, repudiando as ações dos estudantes. No jogo político venezuelano, tomar as ruas é uma demonstração de força importante para mostrar maioria e indicar à opinião pública de que lado está a força.
Cai chefe do serviço secreto
Em meio à crise, o chefe do Serviço Secreto venezuelano (Sebin) foi destituído do cargo nesta terça-feira, após o órgão ter desobedecido ordens da Presidência de se manter aquartelado durante as manifestações estudantis da semana passada.
O órgão é suspeito das mortes de três venezuelanos, dois opositores e um chavista. A pressão gerada em torno do tema levou o presidente Nicolás Maduro a admitir que o Sebin havia desrespeitado suas ordens.
“Há um grupo de funcionários que não cumpriu as ordens. (…) Eu mandei aquartelar o Sebin na madrugada”, afirmou Maduro no domingo.
Um vídeo exibido pelo site do jornal Ultimas Noticias revela que agentes do Sebin dispararam contra os estudantes. O uso de armas letais para conter manifestações está proibido pela Constituição venezuelana.