Ele reino dos cogumelos, aquilo que historicamente foi observado com certo desprezo e que nunca apresentou o mesmo encanto do animal ou do vegetal, hoje se apresenta como a resposta para os grandes problemas da humanidade. Os cientistas sabem disso e, há mais de uma década, suas propriedades medicinais são investigadas em todo o mundo e são feitos desenvolvimentos tecnológicos que visam colaborar em questões tão complexas quanto a poluição. Os admiradores da natureza também sabem disso, que passaram a promover o cultivo caseiro e a compartilhar segredos em contas especializadas nas redes sociais. E, como não poderia deixar de ser, as grandes produtoras mainstream também sabem disso, que aproveitaram essa curiosidade recente para lançar documentários e ficções de grande sucesso. Embora ainda haja tempo para saber se esses organismos salvarão o planeta, de uma coisa não há dúvida: chegou a hora do fungo.

O último de nós”, um dos últimos grandes sucessos da HBO, apresenta um mundo apocalíptico em que os humanos são exterminados por um fungo que os transforma em uma espécie de zumbi. O Documentário da Netflixcogumelos fantásticos” fala sobre sua importância vital para o planeta e descreve experimentos que demonstram sua capacidade, por exemplo, de remover resíduos de óleo. é “como mudar de ideia”, o escritor Michael Pollan percorre a história das drogas psicodélicas e para na psilocibina, o princípio ativo de um tipo de cogumelo. Editorialmente, em 2020 o biólogo inglês Merlin Sheldrake publicou “O vermelho oculto da vida“, um trabalho de divulgação que aborda o assunto por múltiplos ângulos.

A Argentina tem sua própria explosão de cogumelos. Sem ir mais longe, esta semana foi realizada em Bariloche a “Semana do Cogumelo”, uma atividade organizada pelo Proyecto Rumia, um grupo interdisciplinar que trabalha com questões ambientais. A comissão de ética do Hospital Borda autorizou a realização de um estudo que visa estudar como a psilocibina pode colaborar em diagnósticos psiquiátricos. E da Fundação Hongos Argentina asseguram que o número de consultas é inédito.

fungos e desenvolvimento

Francisco Kuhar É responsável pela direção editorial científica da referida fundação e é pesquisador do Conicet. Em Bilbao, ele lançou um empreendimento de cogumelos: Innomy Biotech. É uma startup que cultiva micélio -o tecido dos fungos- para substituir a carne. “Os cogumelos têm uma proteína mais parecida com a animal do que com a vegetal e também não permite a adição de texturizantes”, disse. Sobre a explosão do assunto, ele diz: “Quando começamos com a Hongos Argentina era muito caro e hoje o interesse dos investidores, por exemplo, é incrível. Muitos vêm porque viram alguma série”.

Na Argentina, kuhar Dirigiu uma tese promissora: com sua equipe, encontrou na Patagônia um fungo trinta vezes mais resistente que o isopor e poderia substituí-lo na fabricação de embalagens.

São inúmeros os projetos nas universidades argentinas: o Instituto de Biotecnologia de Misiones estuda a produção de biocombustíveis a partir de fungos nativos; na Universidade Nacional de Luján analisam como um fungo pode melhorar a produção de viveiros e funcionar como biocontrolador vegetal; Na Universidade Nacional do Nordeste, trabalha-se com fungos de Corrientes que podem controlar o parasitismo endêmico; e na Universidade Nacional de Rosario criaram um “couro ecológico”, um material biodegradável que poderia ser usado na fabricação de roupas, calçados e acessórios.

“As ramificações vão a qualquer lugar. No mundo existem grupos trabalhando na produção de materiais para as espaçonaves do futuro que vão para Marte. A ideia é que sejam materiais que possam ser usados ​​na construção e que também possam ser consumidos”, acrescentou. kuhar.

Cogumelos, psilocibina e saúde mental

A ingestão dos chamados cogumelos alucinógenos faz parte de uma longa tradição cultural, principalmente na América Latina. Historicamente, eles foram associados a rituais espirituais e, embora a psiquiatria tenha começado a estudar seus efeitos no século 20, todos os avanços pararam quando a psilocibina foi incluída na lista de drogas proibidas. No entanto, isso está mudando.

Em março, por exemplo, a Austrália autorizou o uso de microdoses de psilocibina para tratamento de depressão e estresse pós-traumático. Na Argentina, seu consumo é ilegal, embora, de fato, cada vez mais grupos ofereçam a oportunidade de experimentá-lo em reuniões que combinam o xamânico com o medicinal.

Um dos pioneiros nacionais nesses estudos é Enzo Tagliazucchi, Doutor em Física e pesquisador do Conicet. O especialista insiste na importância da consulta médica -principalmente naqueles pacientes com diagnóstico psiquiátrico- e alerta que ainda não há resultados conclusivos. “É como se fosse uma droga em estudo”, esclarece.

“A depressão é uma epidemia global e a realidade é que os remédios que existem não são tão bons assim. A dinâmica que uma substância como a psilocibina ofereceria é muito diferente, porque é um medicamento de consumo único e com um perfil de segurança muito melhor do que outros que conhecemos”, afirma.

Em um estudo de 2016, a Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, já provocava os efeitos terapêuticos da psilocibina em pacientes oncológicos com depressão e ansiedade. tagliazucchi Agora pretendo replicar aquele estudo no Hospital Borda com o objetivo de ratificar seus resultados e, também, incorporar uma nova variável. A hipótese é que a meditação pode potencializar os efeitos.

A aprovação do comitê de ética do hospital é um dos sinais de que o tabu começa a ser quebrado. Porém, ainda precisa ser feito: há problemas burocráticos para importar uma substância proibida e custos elevados. “Existem boas expectativas. Talvez a psilocibina não seja a panacéia que alguns esperam, mas depois dessa revolução seria estranho se os cogumelos não deixassem uma marca na farmacopeia e na psiquiatria”, acrescentou o especialista.

Cogumelos, pense diferente sobre a natureza

gabriela klier, PhD em Ciências Biológicas e um dos organizadores da atividade em Bariloche, surpreendeu-se com o fato de as duas palestras que proferiram terem superado as expectativas: “Duraram três horas e foram mais de cem pessoas em cada uma. Dou aula há anos e me pareceu incrível ver tantas pessoas tão diversas prestando atenção”. O slogan da semana foi “O que os cogumelos nos permitem pensar?”

O objetivo do grupo vai além dos estudos típicos em ciências naturais. Eles investigam a conexão com o meio ambiente e a filosofia. “Existem estudos que mostram que se ocorre um incêndio, as micorrizas -que são as associações simbióticas entre os fungos e as raízes das plantas- transmitem essa informação para que as árvores possam liberar elementos voláteis. É muito poético. Nas oficinas que damos, esses exemplos nos permitem administrar outras histórias do mundo natural que não são as da competição e do individualismo capitalista que sempre nos ensinaram. Se olharmos para os cogumelos, podemos pensar na nossa vida em relação à de todos os outros seres e isso nos leva a cuidar do lugar em que estamos é cuidar de nós mesmos. É um convite para poder sair daquele lugar filantrópico com o meio ambiente ou aquele olhar de ser humano superior que cuida da natureza”, afirma. Klier.

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