“Ela acaba de receber uma carta na qual supõe que lhe peçam para pagar ou para sair, mas ela não entende”, disse Martín Bohmer em uma palestra do TED. O que ele sabe é que existem duas mensagens. “A primeira, contratei um advogado, o conflito aumentou”; a segunda, “você está fora da linguagem da lei porque a linguagem pertence aos advogados e juízes, mas não a você”.

Por esses e tantos outros casos é que diferentes profissionais da comunidade jurídica, linguistas, especialistas em letras e comunicação trabalham para fechar distâncias entre as pessoas e que todos se entendam. Apenas para fazer uso de linguagem simples.

O que ele disse? Mariana Bozetti, professora da Universidade Torcuato Di Tella (UTDT) e membro do Conselho Acadêmico do Observatório da Linguagem Clara da Faculdade de Direito da UBA, explica ao PERFIL que, se uma peça de comunicação for analisada desde o campo jurídico, “Por pelos traços lexicais vemos que se dirige a um suposto especialista, porque se usa uma terminologia que não é contextualizada, não é reformulada, não é explicada e dá por certo informação que não aparece. Considera-se que o destinatário possui os mesmos conhecimentos e informações de quem elabora o documento, quando na realidade não pode ser esse o caso”.

Nesse sentido, o professor defende que há “a necessidade de modificar a forma como o judiciário comunica por escrito o que faz, para interagir por escrito com o público”. Para isso, surge a noção de linguagem clara, para que a pessoa possa compreender diretamente em que situação se encontra em relação ao direito, à acusação, à culpa, etc.

Para Mónica Graiewski, advogada e professora e membro das organizações clear language, “a linguagem clara é antes de tudo uma questão de empatia. É pensar quem vai ler. Tenho um cliente que é físico nuclear e é muito inteligente, mas talvez uma peça judicial não entenda e não é que não saibam, mas que não está claro”.

“A clareza da linguagem é boa para todos”, diz Graiewski, porque “economiza etapas. Se eu apresentar algo que não seja entendido, por exemplo, no tribunal, o juiz pode rejeitar o que for solicitado. Além disso, economiza o tempo necessário para tomar decisões sobre coisas que não são totalmente compreendidas. E salve os conflitos. Quando tem que usar o contrato que fizeram há dois anos, tem que contratar outro advogado de novo porque na época eles explicaram, mas agora tá difícil de entender”, exemplifica.

Um pouco de história. A juíza do Tribunal Penal de Contravenções nº 13 Lorena Tula del Moral conta ao PERFIL que o movimento da linguagem clara surgiu internacionalmente na Europa na década de 70, desenvolveu-se em alguns países como Inglaterra e Suécia e posteriormente em outros países europeus. Na América Latina foi implementado mais tarde e no caso particular da Argentina Tula del Moral aponta que houve e há iniciativas diferentes. “Apesar de ser uma obrigação de todos os poderes dos Estados – Executivo, Legislativo e Judiciário – há maior evolução no uso e aplicação de linguagem clara no âmbito dos poderes judiciários.”

Assim, ele lembra que em 2015 o Sistema Argentino de Informação Jurídica (SAIJ), que depende do Ministério da Justiça, começou a trabalhar em leis claras e “em 2017 foi formada a Rede Linguagem Clara na Argentina”, disse Graiewski ao PERFIL. “Esta iniciativa foi tripartida entre o Ministério da Justiça, o Senado Nacional e a Secretaria Jurídica e Técnica da Presidência da República”, precisou.

Tula del Moral destaca que “a nível legislativo na Argentina, a Província de Buenos Aires foi a primeira a dar um quadro normativo e obrigatório para o uso de linguagem clara através da Lei 15.184, para garantir o direito de todos os cidadãos de compreender as informações públicas , promover o uso e desenvolvimento de linguagem clara em textos legais e formais”.

Há também outras iniciativas, como “nas províncias de Chaco, Formosa, La Pampa, onde já existem manuais ou guias para que as resoluções de todas as instâncias inferiores sejam escritas no uso da linguagem”.

No caso da Cidade de Buenos Aires, diferentes ações concretas são implementadas desde o Conselho Judicial. Assim, “em 2021, foi promulgada a Lei 6.367, que promove o uso de linguagem clara nos atos e documentos do Poder Público do Município para garantir a transparência dos atos do poder público”, afirma o advogado.

Também do Observatório da Linguagem Clara da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), onde o juiz é o diretor acadêmico, treinando e trabalhando com “as gerações futuras para que tenham esse novo olhar porque, em última análise, estamos proporcionando um serviço de Justiça e a ideia é garantir aos cidadãos o direito à compreensão”.

Para concluir, Graiewski reconhece que “no início, a linguagem clara foi rejeitada pela comunidade jurídica porque optou por ser cafona. Agora ela é compreendida e mais aceita e procurada porque se acredita que usar uma linguagem clara não é o mesmo que fugir do rigor formal”.

Colômbia: em busca da eloquência

Paulina Yepes Villegas* e German Arenas Arias**

Um intelectual colombiano e ex-magistrado da Corte Constitucional (Carlos Gaviria Díaz) acreditava que “a violação de textos pretensiosos, vazios e inconseqüentes era um mal do subdesenvolvimento”. Num país onde abundam palavreados insípidos, Carlos sabia a importância do silêncio e da simplicidade. Ler suas frases, por exemplo, é atender a um ato de concretude e clareza que ainda faltam; sua principal qualidade, a eloqüência, é frequentemente comentada no livro Close Virtues. Em certa medida, a implementação de iniciativas de linguagem clara na Colômbia visa garantir que as mensagens emitidas por entidades públicas e privadas também sejam eloquentes.

Provavelmente enunciamos o quadro geral em que se encontram e se justificam algumas das iniciativas mais representativas do nosso país. O IV Plano Nacional de Estado Aberto da Colômbia já inclui compromissos em termos de linguagem clara para divulgar as funções e decisões judiciais e, com isso, ampliar o conhecimento dos cidadãos sobre os problemas do Estado. Desde el Congreso de la República, compuesto por la Cámara de Representantes y el Senado, pretenden que la difusión de las normas en un lenguaje claro y comprensible para el mayor número de ciudadanos adquirieron buenas oportunidades para promover comportamientos sociales con apego y respeto al Estado de Direito.

En el ámbito educativo, desde la Universidad Eafit por citar solo un ejemplo, promulgamos cursos de escritura clara para estudiantes, que luego como profesionales van a salir a producir textos que llegan a ciudadanos, y para organizaciones que quieren implementar buenas prácticas de claridad en sus equipes de trabalho. Além disso, investigamos práticas de linguagem clara para fortalecer o campo de estudo sobre o assunto.

Todas essas intenções residem em instituições públicas e privadas que fazem parte, por sua vez, da Rede de Línguas Claras da Colômbia. Um grupo no qual temos a convicção de que uma linguagem clara facilita processos, agiliza procedimentos, reduz o estresse e estimula a transparência.

Acreditamos também que este assunto não deve interessar apenas a quem elabora documentos públicos. Como cidadãos, todos nos deparamos com documentos administrativos, jurídicos, comerciais e médicos que devemos entender para fazer uso da informação e tomar decisões. A linguagem clara deve interessar a todos nós, quer sejamos escritores, oradores, leitores ou ouvintes, porque só assim podemos garantir que a informação que circula e que está ao alcance de todos pode ser utilizada para o fim para o qual foi gerada.

Nosso objetivo é promulgar a comunicação de mensagens eloquentes para convencer, eloquentes para instruir sobre assuntos públicos, principalmente, e eloquentes para aumentar as oportunidades dos cidadãos de compreender e amadurecer informações públicas e de interesse geral.

*Professor, Universidade EAFIT.

** Pesquisador de pré-doutorado na Universidade de Alcalá.

Espanha: devagar, mas avançamos

Cristina Carretero González*

Uma das ações mais relevantes, quase um divisor de águas, ocorreu em 2009, no Ministério da Justiça, com a criação da Comissão para a Modernização da Linguagem Jurídica. Isso resultou em um Relatório que fez recomendações para melhorar a clareza e compreensão da produção jurídica, especialmente aquela relacionada aos tribunais e juristas.

Posteriormente, foi criada a Comissão para a Clareza da Linguagem Jurídica, que realizou diversos trabalhos encaminhados pelo Ministério da Justiça, mas que não avançou além destes.

Há algum tempo, destacam-se as ações realizadas pela Real Academia Espanhola (RAE), algumas delas em estreita colaboração com outras instituições. Uma delas foi a elaboração, junto com numerosas instituições, do Dicionário Pan-Hispânico de Espanhol Jurídico. Outra, a elaboração do Caderno de Estilo Justiça Jurídica, que nasceu, em 2017, fruto do convênio entre o Conselho Geral da Magistratura (CGPJ) e a RAE e como complemento ao Dicionário de Espanhol (DEJ), publicado também em 2016. pela RAE e pela CGPJ. O objetivo do livro de estilo tem sido contribuir para o bom uso da linguagem em todos os limites onde a lei legal é criada e aplicada e poder, desta forma, elaborar textos destinados a melhorar a clareza da linguagem. Na minha opinião, é um ótimo livro de estilo de referência que é recomendado.

Para além das iniciativas individuais, que estão em ascensão – e da academia aos diferentes profissionais e instituições – os desafios atuais centram-se na ideia de aproximar a comunicação entre os cidadãos e os poderes do Estado, para que seja fluida e simples de entender. Para isso, destaco várias iniciativas interessantes.

Em fevereiro passado, foi firmado um convênio de colaboração entre a Ouvidoria e a própria RAE para obtenção de linguagem clara e acessível na Administração. Ambas as instituições decidiram empreender ações destinadas a garantir que as administrações públicas usem linguagem acessível em suas comunicações com os cidadãos. Para isso, a RAE deve identificar as melhores práticas linguísticas e propor as soluções correspondentes. Posteriormente, a Ouvidoria se dirigirá às Administrações para tentar materializar as propostas em linguagem clara e acessível.

O último passo, muito relevante a meu ver pelos frutos que pode trazer, é a assinatura, em Santiago do Chile, no dia 9 de junho, do acordo para a criação de uma Rede Pan-Hispânica de Língua Clara (Red-PHLEC). Conforme informado pela RAE, é um projeto que conta com o apoio da Real Academia Espanhola (RAE) da presidência da Associação de Academias de Língua Espanhola (Asale). O louvável objetivo da nova Rede é unir as diferentes iniciativas de linguagem clara e acessível que se desenvolvem no mundo hispânico. Este objetivo propõe melhorar as relações entre os poderes públicos e os cidadãos através da promoção da compreensão linguística e do necessário empenho das autoridades para assegurá-la em todos os domínios da vida pública. Sem esse compromisso, pouco progresso será feito.

Por isso, nessas iniciativas, resta saber como serão realizadas as propostas, quais instituições serão comprometidas, quais ações serão realizadas e como serão avaliados seus resultados. O caminho é traçado, resta percorrê-lo.

*Professor de Direito Processual e de Publicação e Redação Jurídica da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Comillas, Madri.

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